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19/07/2018 - 9 a cada 10 médicos e usuários têm reclamações dos planos de saúde

Pesquisa APM/Datafolha aponta que queixas contra as operadoras batem recorde histórico

Levantamento realizado pelo Instituto Datafolha a pedido da Associação Paulista de Medicina aponta ocorrências de problemas em pronto-atendimentos, consultas médicas, exames diagnósticos, internações hospitalares e cirurgias com os usuários de planos de saúde no estado de São Paulo. Os dados, coletados entre abril e junho deste ano, foram divulgados em entrevista coletiva à imprensa no dia 19 de julho. De acordo com as estatísticas, 77% da população, em 2012, relataram algum problema na utilização do serviço privado. Em 2018, esse índice passou para 96%, o que representa um aumento de 25% entre os períodos analisados.

“Estamos tratando de um assunto de suma importância, que é o sistema de saúde, um sonho de consumo da sociedade brasileira e um dos maiores problemas enfrentados no nosso País. Essa é a segunda pesquisa que encomendamos, por meio do Datafolha, sendo a última feita em 2012. Estamos comparando esses períodos, com base na opinião dos pacientes e dos médicos sobre a saúde suplementar, englobando convênios e seguros, além do vínculo com o sistema único de saúde”, explica o vice-presidente da APM, Akira Ishida.

Consultas médicas e exames diagnósticos foram os serviços mais utilizados pelos beneficiários em 2018. No entanto, as dificuldades no atendimento aumentaram em todos os serviços, sobretudo nos prontos-atendimentos. A demora na marcação de consultas e a dificuldade de acesso são as principais barreiras assistenciais, segundo a pesquisa.

Nas consultas, os problemas cresceram de 64%, em 2012, para 76%, agora. Em seguida, exames e diagnósticos, que outrora representavam 40% dos problemas, este ano chegaram a 72%.

Houve ainda um aumento na procura de pronto-atendimento, de 58% para 71% de utilização do serviço; com o índice de problemas subindo de 72% para 82% entre 2012 e 2018. “Quando o usuário procura essa assistência, muitas vezes o local está lotado e com demora no atendimento. E, de modo geral, todas essas ocorrências são maiores na Região Metropolitana do estado de São Paulo”, afirma a gerente de atendimento do Datafolha, Marlene Treuk.

Em consonância, o diretor de Defesa Profissional da APM, Marun David Cury diz que, por esse motivo, praticamente 90% da população buscam os prontos-socorros para a assistência. “Como consequência, a médio e longo prazo, teremos um aumento da mortalidade infantil porque não se faz mais puericultura, que é um tratamento preventivo ao bebê, por falta de acesso aos pediatras. Com o adulto, o cenário será semelhante, com maior incidência de morbidade e mortalidade, pelo não acompanhamento sistemático de doenças crônicas. Quem ganha com isso são os hospitais e quem perde a saúde são os usuários”, crítica.

“Esses números representam, na prática, a lógica comercial dos planos de saúde, que procuram trabalhar com redes restritas e insuficientes para o atendimento dos usuários, acarretando em demora na marcação de consultas, levando esse público a buscar os prontos-socorros”, acrescenta o diretor Administrativo e ex-presidente da APM, Florisval Meinão.

Ele reitera as regras estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, que estabelecem prazos máximos de assistência, mas que na prática não são divulgadas nem seguidas pelos planos – 73% dos usuários disseram desconhecer os prazos. “Demonstra também a omissão da ANS em fiscalizar a organização e o dimensionamento da rede de atendimento, com relação às necessidades e ao número de usuários. Então, essas redes enxutas levam a essa situação, que se aplica também a exames e diagnósticos.”

Já as reclamações sobre internações hospitalares subiram de 39%, em 2012, para 53%, em 2018. Com relação às cirurgias, as dificuldades passaram de 15% para 24%. Demora para o plano autorizar a cirurgia, falta de cobertura para materiais especiais e a não autorização são as queixas mais frequentes. “Os usuários têm dificuldades de encontrar um médico que possa realizar a cirurgia; quando o encontra, há barreiras para a liberação do procedimento, além da falta de cobertura de materiais como próteses”, diz Marun.

Migração para o SUS e judicialização
Com as dificuldades na saúde suplementar, 31% dos beneficiários do sistema buscaram atendimento na assistência pública ou particular, nos últimos dois anos anteriores a pesquisa. Em 2012, a utilização desse serviço representou 20% dos usuários. “É inaceitável ter uma parcela significativa de pessoas procurando o sistema único de saúde porque não tem atendimento no plano de saúde. Há uma legislação que obriga as empresas a ressarcirem o SUS pela assistência prestada, mas isso não é devidamente fiscalizado e cumprido”, reforça Florisval Meinão.

A pesquisa aponta também que, devido aos problemas recorrentes na saúde suplementar, 4% dos entrevistados já recorreram à Justiça contra algum plano de saúde. Em 2012, apenas 2% buscavam mecanismos jurídicos para ter os direitos assegurados. “Quatro por cento da população, de uma projeção de 11 milhões de pacientes, representam 400 mil ações na Justiça somente no estado de São Paulo. Se olharmos para o SUS, essa estatística é maior, ou seja, a judicialização na Saúde é algo extremamente penoso para os usuários. Além disso, os recursos gerados com esses processos seriam melhor administrados se fossem revertidos para a assistência médica”, analisa o ex-presidente da Associação.

Em suma, 66% dos usuários concordam que a rede suplementar dificulta a realização de procedimentos de maior custo; já 52% deles acreditam que os planos não cumprem todas as regras estabelecidas em contrato; e, por fim, 52% dos usuários afirmam que a assistência coloca limitações à atuação médica.

“Esses números são eloquentes para demonstrar a percepção dos pacientes sobre os planos de saúde. Na verdade, há uma crise de confiança por parte desses beneficiários, porque as dificuldades tornam-se muitas vezes maiores que as do sistema público. Ou seja, têm a percepção de que a assistência suplementar não atende sua necessidade”, confirma Meinão.

O levantamento teve 836 entrevistas com moradores do estado de São Paulo, maiores de 18 anos, de todas as classes econômicas, que possuem plano ou seguro saúde como titulares ou dependentes, entre os dias 25 de abril e 2 de maio. A projeção do público-alvo abrange 11,2 milhões (32%) de beneficiários de planos de saúde. A margem de erro é de três pontos percentuais.

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Percepção médica

Outra pesquisa APM/Datafolha entrevistou 615 médicos no estado de São Paulo, entre 12 de junho e 2 de julho, para abordar a opinião dos profissionais quanto aos planos de saúde e rede pública, com a margem de erro de quatro pontos percentuais. Nove em cada dez profissionais (90%) declaram que há interferência das empresas em sua autonomia técnico-científica.

Glosa de procedimentos ou medidas terapêuticas, restrições a doenças pré-existentes e solicitação de exames e alternativas de tratamento mediante nomeação de auditores são os itens que mais se destacam nessa abordagem. Ficam evidentes também entraves para a solicitação de exames ou procedimentos, a prescrição de medicamentos de alto custo e o tempo de internação e de pós-operatório.

O diretor Administrativo da APM relembra que, a cada dois anos, segundo critérios estabelecidos, a ANS introduz no máximo 40 novos procedimentos, diagnósticos e terapias de prática médica no rol de cobertura suplementar, o que não supre as necessidades e nem acompanha os avanços científicos. “É um grande problema enfrentado pelo médico nos dias atuais e que gera outras queixas posteriores, como a dificuldade de prescrever medicamentos de alto custo. Se aquela substância não for incorporada no rol, o paciente não terá o direito de consumi-la.”

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