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23/04/2021 - A nova cara das clínicas médicas

Com dificuldades para abrirem consultórios próprios, jovens têm optado por atender em espaços compartilhados com aluguel de horas.

Passar no vestibular, se graduar em Medicina, concluir uma residência médica e, então, abrir o seu próprio consultório. O que um dia foi o padrão de carreira para os médicos transformou se, hoje, em um objetivo que poucos alcançam. As relações de trabalho têm se transformado e o caráter liberal da profissão tem sido posto à prova, cada vez mais, no trabalho junto às operadoras de planos de saúde. Em uma realidade em que milhares de médicos se formam todos os anos, com competitividade crescente, enxergamos um cenário em que há poucas oportunidades na carreira pública, filas para o credenciamento em planos de saúde e dificuldades de atrair e manter pacientes a um consultório próprio.

Nesse sentido, empresários enxergaram um vácuo, que tem sido explorado cada vez mais pelos médicos, sobretudo os mais jovens. Trata-se de espaços de coworking dedicados exclusivamente aos profissionais de Medicina. Essas estruturas têm se proliferado nos últimos anos, após desembarcarem na cidade muito voltadas a outras profissões, especialmente ligadas à tecnologia e comunicação. Agora, as companhias se organizam para atender todas as especificidades que os cuidados médicos demandam.

E o que dizem os médicos que utilizam estruturas do tipo? Marcos Vinícius Odorissio Ferrari se formou em 2008 pela Escola Paulista de Medicina (EPM) e concluiu, em 2015, residência em Cirurgia Geral e Urologia no Hospital São Paulo da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp). “Como quase todo médico após concluir sua formação, já quis ter um consultório próprio, uma marca”, relembra.

O investimento inicial e as contas mensais fixas, porém, o afastaram da ideia. “Como estava iniciando, em 2019, o atendimento de pacientes em consultório particular, escolhi uma alternativa mais econômica, na qual pudesse ter flexibilidade e maior controle dos gastos totais”, relata.

Ele procurou, então, por salas de consultórios em São Paulo, mas acabou encontrando anúncios sobre coworkings. “Foi a alternativa de melhor custo-benefício na ocasião, já que com o pacote de horas adquirido, poderia atender meus pacientes conforme houvesse demanda, sem os custos fixos inerentes a um consultório particular.”

O pacote de horas ao qual Ferrari se refere é a modalidade mais comum de contratação dos espaços de coworking. Nela, os médicos pagam por uma quantidade de horas pré-determinada que poderão utilizar, semanal ou mensalmente, um dos consultórios do espaço, de maneira exclusiva. Normalmente, os horários e dias também são definidos com antecipação.

Há também os que optam pelo pay per use. Aqui, os médicos adquirem um “pacote de horas”, que vão utilizando de acordo com a necessidade de sua agenda. Há a vantagem de só pagar, efetivamente, se usar o espaço. Alguns coworkings também permitem o uso avulso - caso um médico precise de um consultório, basta contratar por um determinado período, sem necessidade de pacotes maiores.

Uma pesquisa rápida por sites de empresas do tipo mostra preços que flutuam, normalmente, entre R$ 40 a R$ 60 por hora. Em planos mais fidelizados, com muitas horas contratadas mensalmente, as taxas chegam a ser de R$ 23, em determinados coworkings.

Esse tipo de flexibilidade pode favorecer os médicos na hora de estabelecerem seus negócios. Alexandre Borgheresi se graduou, em 2013, e concluiu residência em Cirurgia do Aparelho Digestivo, em 2019, pela EPM/ Unifesp. Quando se juntou a um sócio para fundar o Instituto Zotti & Borgheresi de Gastrocirurgia, há dois anos, eles atendiam em um espaço alugado por período fixo, o que resultou em dificuldades na hora de compatibilizar os horários disponíveis, a agenda deles e a demanda dos pacientes.

Após algumas pesquisas, conta o médico, ele conheceu um espaço de coworking. “No início, quando não tínhamos volume alto de agendamentos, pagávamos apenas pelas horas de uso. Portanto, conseguimos reduzir bastante os custos de aluguel. Outro grande atrativo está no fato de não precisarmos nos preocupar com a administração e manutenção do local. Temos disponíveis profissionais que controlam nossa agenda, fazem as cobranças e orientam os pacientes, tudo incluso no pacote contratado”, resume.

INFRAESTRUTURA

Muitos dos motivos que fazem com que os médicos mais jovens optem pelos coworkings residem no fato de serem evitados gastos diversos. Marcos Ferrari aponta, entre eles, a manutenção do espaço e o custo fixo de funcionários, água, luz e internet. Os espaços também oferecem materiais de escritório e papelaria, e serviços de secretária inclusos. Algumas empresas promovem, inclusive, os sites dos médicos.

Na avaliação de Borgheresi, atuar em um coworking é mais prático, funcional e barato do que manter um consultório próprio. Ele indica, porém, que há certo receio entre os médicos que buscam apresentar um espaço próprio, que carregue o nome de sua clínica, ao paciente – preocupação que também existiu entre ele e seu sócio.

“Nossa ideia sempre foi manter o conceito humanizado e intimista dos antigos consultórios de médicos de família, nos quais os pacientes se sentiam acolhidos. No coworking, toda a estrutura é montada de forma que o paciente se sinta no consultório próprio do médico. Ele carrega o nome da nossa clínica quando estamos atendendo. Quando o paciente nos procura, ele vai ao IZB Gastro e não a um centro ambulatorial que carrega uma marca”, argumenta.

Ferrari pensa parecido. “Vejo que colegas médicos, principalmente os mais velhos, têm certo preconceito com esses espaços. Acreditam se tratar de algo mais impessoal, com dificuldades de fixar marca, logotipo etc.”

Há contrapontos, também. Segundo o urologista, existe sempre a possibilidade de mudanças de sala de atendimento a depender da demanda do coworking no dia. “Há dificuldade de se manter uma decoração mais personalizada no consultório e a impossibilidade de troca de funcionários caso haja algum impasse no trabalho”, acrescenta.

Borgheresi entende que o ideal é que cada médico busque um local que atenda o seu perfil de pacientes e consultas. “Para aqueles que preferem um grande centro ambulatorial, com alta rotatividade, remetendo aos ambulatórios hospitalares, já existem grandes redes neste formato. Por outro lado, podemos encontrar locais que mantêm características dos tradicionais consultórios.”

Ambos os médicos seguiram atendendo durante a pandemia de Covid-19 e se mostraram satisfeitos com a atuação da empresa para respeitar as medidas de isolamento social e de higiene. “Conseguimos montar uma estrutura para Telemedicina em parceria com os proprietários e todas as agendas são organizadas para não haver aglomeração na sala de espera”, detalha o cirurgião do aparelho digestivo.

“O coworking tem investido fortemente em limpeza recorrente das salas e disponibilização de álcool em gel em todos os ambientes. O fato de a sala de espera ser um local amplo diminui a ansiedade dos pacientes enquanto aguardam a consulta. Condições assim me trazem uma boa experiência, mesmo em um ambiente compartilhado”, finaliza o urologista.