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21/06/2017 - Alexandre Furlan - Leis modernas para o século 21
ALEXANDRE FURLAN, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e vice-presidente da Organização Internacional dos Empregadores (OIE).
Leis modernas para o século 21
O RECONHECIMENTO DA NEGOCIAÇÃO, QUE SERVE PARA TRAZER HARMONIA E SEGURANÇA PARA INSTRUMENTOS COLETIVOS, É O ESPÍRITO DA PROPOSTA DE MODERNIZAÇÃO DAS REGRAS ATUALMENTE EM TRAMITAÇÃO NO BRASIL
Por demanda dos empregados, uma empresa senta à mesa com o sindicato da categoria para negociar o seguinte acordo: reduzir o intervalo intrajornada de uma hora para 45 minutos. Há refeitório no local e o acerto estabelece, em contrapartida, a saída 15 minutos mais cedo do trabalho para encurtar o horário de almoço. O ajuste é voluntário, depende da vontade de empregados e empresas. Mas, se acordado, é benéfico para ambos. Os empregados sairão mais cedo, evitando o pior do horário de pico no trânsito. Para a empresa é interessante, com potencial economia de energia pelo encerramento das atividades mais cedo, enquanto há luz do dia. Prevalece a autonomia da vontade. O jogo é de ganha-ganha.
Tal acordo, no Brasil, mesmo que legítimo e representativo da vontade dos empregados, tem tudopara ser anulado pela Justiça do Trabalho. Firmado sob a premissa de que sair mais cedo é benéfico por encurtar o tempo dispendido no trânsito – seja no carro ou no transporte público –, instrumentos dessa natureza são vistos como prejudiciais ao trabalhador. Segundo a jurisprudência, não é permitida a redução do intervalo por tratar-se de matéria de ordem pública e que não pode ser alterada por vontade das partes – ainda que se perceba que o trabalhador que tem refeitório na empresa em geral almoça em menor tempo e certamente sugeriu esse item em negociação coletiva, pois prefere usar melhor suas horas ao invés de ficar parado no engarrafamento e longe do convívio da família.
A saída para casos como estes, comuns entre os milhares de processos analisados pela Justiça do Trabalho, a cada dia, é o reconhecimento da negociação coletiva. Este é o espírito da proposta de modernização das leis do trabalho, em discussão desde o fim do ano passado no Congresso Nacional. Prestigiada na Constituição ao lado de outros direitos fundamentais do trabalho – salário mínimo, duração do trabalho, 13º salário, férias, FGTS e hora-extra, entre outros – a negociação serve ao mundo do trabalho para trazer harmonia e segurança para instrumentos coletivos, como o citado acima.
A negociação de como tais conquistas seriam fruídas não exclui ou reduz direito algum alçado ao patamar constitucional, mas passaria a ser admitida com a devida segurança jurídica. Um exemplo: a lei estabelece hoje que o 13º salário deve ser pago em duas parcelas, em novembro e dezembro. Por negociação, uma alternativa possível seria o pagamento no mês de aniversário do empregado, como já ocorre, inclusive, no funcionalismo público, sem que isso seja motivo de contestação, celeuma ou protestos dos movimentos sindicais. Como se pode observar, o negociado ocorre à luz da lei e o direito permanece intacto.
Assim, abre-se um variado leque de negociações possíveis que empresas e empregados, representados por seus sindicatos, poderão explorar. Para companhias instaladas em grandes cidades atormentadas pelo caos no trânsito, reduzir o horário de almoço com a dispensa antecipada e a definição de regras para home office fazem bastante sentido. Em cidades menores, onde o deslocamento é curto e rápido, tal demanda talvez não seja de interesse de trabalhadores e empresas pela simples inexistência de tal necessidade. Cada caso é um caso e não há acordo universal.
Em tempos de customização, em que olhamos para o futuro da indústria e suas infinitas possibilidades de entregar produtos ao gosto do cliente, a negociação coletiva tem justamente a função de customizar as rotinas e condições de trabalho a demandas muito específicas. Instrumentos coletivos, por natureza, levam em consideração a região, o porte da empresa e o contexto econômico em que cada atividade produtiva é exercida. Cada acordo tem sua peculiaridade e serve àqueles envolvidos na sua construção pelo período em que vigorará – até dois anos, de acordo com a CLT, conforme combinado, observado o limite legal.
Não se trata em absoluto, como têm repetido diversos críticos da proposta em discussão, de retrocesso nas conquistas sociais do trabalhador brasileiro. Pelo contrário, a modernização das leis do trabalho pela valorização da negociação coletiva vai ao encontro do que preconiza a Constituição Brasileira e ao entendimento que começou a ser construído e figura nas conclusões de empregadores, trabalhadores e Governo no Fórum Nacional do Trabalho, em 2003.
A chamada “força de lei”, que a proposta atribui aos instrumentos coletivos negociados de forma legítima, além de eliminar significativa fonte de conflito nas relações trabalhistas no Brasil, dará aos personagens principais do mundo do trabalho – empresas e trabalhadores – o protagonismo expresso em convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) – em decisão unânime, de 2015 -, além da certeza de que o que pactuaram por tempo determinado será respeitado pelo Estado.
Como alertou o ministro Luís Roberto Barroso, em seu voto na decisão acima, “quando os acordos resultantes de negociações coletivas são descumpridos ou anulados, as relações por elas reguladas são desestabilizadas e a confiança no mecanismo da negociação coletiva é sacrificada”. Este é o cenário que a modernização das leis do trabalho busca superar.