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21/06/2017 - Ana Luiza Matos de Oliveira - Esse é o rumo a tomar?
ANA LUÍZA MATOS DE OLIVEIRA, economista pela Universidade Federal de Minas Gerais e professora da Fundação Perseu Abramo
AO LER OS EDITORIAIS DOS JORNAIS E ARTIGOS DOS ANALISTAS DE GRANDES BANCOS, FICA CLARO QUE OS MESMOS LIGAM AS PROPOSTAS DE REFORMAS AO CRESCIMENTO. MAS O QUE ELAS TÊM A VER COM O INVESTIMENTO OU A RETOMADA ECONÔMICA?
O PIB brasileiro caiu 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016. A taxa de desemprego no País, que decresceu desde 2003 e atingiu o menor valor da série história em 2014, quase dobrou desde o ano passado. Isso porque, em linhas gerais, desde 2015 o Brasil vem sendo submetido a uma política de corte de gastos como único caminho para recuperar a Economia.
A crise tem sido interpretada como um problema de gastos do Governo e de excesso de direitos por parte dos trabalhadores, o que justifica a agenda de reformas. Não raro, os editoriais de jornais e analistas econômicos as utilizam até mesmo com um tom de chantagem, como em entrevista publicada pelo Estadão no dia 9 de maio, na qual um empresário afirma que “só vamos investir se as reformas saírem”.
Durante os anos 1990 no Brasil, a flexibilização das leis trabalhistas teve como resultado o crescimento do desemprego e o aumento dos postos de trabalho com baixa proteção. Já entre 2004 e 2014, foi alcançada a menor taxa de desemprego que se tem registro na série histórica, com as mesmas regras de hoje. Então, a geração de empregos não depende somente das leis trabalhistas.
Pelo contrário, a redução das leis trabalhistas pode agravar a crise: artigo de Dragos Adascalitei e Clemente Pignatti Morano, publicado no IZA Journal of Labor Policy, mostra que medidas de desregulamentação do mercado de trabalho podem agravar a crise no curto prazo, quando aprovadas em momento de decrescimento.
Isso porque a retirada dos direitos trabalhistas diminui a renda do trabalhador direta ou indiretamente e a transferência de renda do trabalhador para o empregador tem efeitos negativos na atividade econômica, pois proporcionalmente o trabalhador gasta mais da sua renda que o empregador e este último poupa mais.
Se uma mudança na legislação permite reduzir direitos, todas as empresas tenderão a adotar essa prática, reforçando a atual tendência recessiva, já que empresários decidem contratar, investir e produzir com base em suas expectativas de demanda. Assim, a reforma trabalhista pode piorar a crise.
Na verdade, a pressão pela adoção de reformas que não afetam o nosso crescimento econômico no curto prazo nada tem a ver com a preocupação altruísta com o crescimento em si, mas sim com a adoção de um projeto de “desenvolvimento” concentrador e excludente. Concentrador por retirar direitos do trabalhador e privilegiar as altas camadas da sociedade. Excludente por afastar os trabalhadores de sua aposentadoria.
Pouco se escuta, nos grandes jornais e dos analistas econômicos dos grandes bancos, sobre os impactos das reformas na pobreza, na desigualdade regional, de gênero ou racial. Na verdade, entre economistas, é relativamente comum ler que a desigualdade é um excelente incentivo para que as pessoas se esforcem para melhorar de vida.
E é importante pontuar que, na maioria dos casos, “modernizar” as relações trabalhistas significa retirar direitos e não, por exemplo, reduzir a jornada de trabalho, como fez a Suécia, já que a produtividade aumenta ao longo dos anos.
É esse projeto, concentrador e excludente, que se encontra no “Ponte para o futuro” e no “Travessia Social”, documentos lançados pelo PMDB em 2015 como espécie de programa de governo. A pressão a Temer é constante pela aplicação deste projeto através das reformas trabalhista e previdenciária, pois ele é maior que o próprio presidente. Dilma caiu, conforme afirmou Temer em entrevista em Nova York, por não ter aceito esse projeto consolidado no “Ponte para o Futuro”.
Numa perspectiva mais ampla, o Estado de Bem-Estar Social previsto na Constituição de 1988 foi impedido de se desenvolver durante os anos 1990, conseguiu de alguma forma principiar uma construção nos anos 2000 mas, desde 2015, tem sofrido um desmonte. O já aprovado dos gastos e as reformas da previdência e trabalhista em tramitação vão no sentido de nos afastar daquilo que foi definido na Constituinte (e não se cumpriu plenamente) e, ainda por cima, sem discussão com a sociedade.
A toque de caixa, já está sendo consolidada essa direção para os próximos anos, por exemplo com a adoção do teto para os gastos primários do Governo, que limita o crescimento das despesas federais pela correção da inflação sem, no entanto, estabelecer teto para os gastos financeiros, no País com uma das maiores taxas de juros do mundo. O que a sociedade brasileira precisa decidir, com tempo, espaço e um debate qualificado, é se esse é o rumo a tomar.