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12/12/2018 - Causas e caminhos fecham as discussões do Fórum de Judicialização na Saúde
Na abertura do segundo módulo de palestras do II Fórum de Judicialização na Saúde, organizado e sediado pela Associação Paulista de Medicina, em 11 de dezembro, o vice-presidente Jurídico do Grupo NotreDame/Intermédica, Lino José Rodrigues Alves, mostrou alguns aspectos da evolução dos clientes, que querem estar cada vez mais informados sobre as condições dos planos de saúde e as formações de preços.
Além disso, enfatizou que há alguns desentendimentos entre as regulações da Agência Nacional de Saúde Suplementar e a aplicação de súmulas e jurisprudências favoráveis aos beneficiários dos planos.
Para exemplificar a nocividade que enxerga na judicialização, ele contou aos presentes o caso real da cidade de Buritama (SP), que tem 15 mil habitantes e R$ 650 mil ao ano para fornecimento de materiais e remédios. Entretanto, no último ano, um cidadão conseguiu, por demanda judicial, uma cirurgia de implante de eletrodos para amenizar o mal de Parkinson, ao preço de R$ 108 mil. “O Judiciário deveria ser mais especializado, com mais pessoas dedicadas à Saúde, para assim entender os contratos, as consequências e extrair a melhor decisão [em casos de judicialização], contemplando uma visão de futuro e de economia”, propôs Alves.
Na sequência, a assessora especial do Conselho Federal de Medicina, Clarice Alegre Petramale, fez uma apresentação centrada nos dilemas técnicos e éticos da prescrição e do uso de medicamentos órfãos, para doenças raras. Ela explicou qual é o fluxo de regulação de um remédio no País. “O Brasil não tem uma indústria de inovação, apenas copiamos genéricos e similares. O setor fatura muito e produz bastante, mas são medicamentos sintéticos copiados. Dependemos de uma estratégia chamada parceria de desenvolvimento produtivo. Assim, uma indústria internacional transfere tecnologia a um laboratório nacional e dessa forma acelera-se a produção do biológico, que será feito, vendido e comercializado aqui, em real.”
A assessora do CFM ainda afirmou que copiar um remédio biológico é muito difícil, sem a ajuda de quem produziu o medicamento inicial, deixando o Brasil para trás na produção e criando novo nicho de importação: o de remédios biológicos para doenças raras. “Já são mais de 450 moléculas, que podem entrar no País – pelas leis – ainda que tenham poucos meses de pesquisas feitas sobre a eficácia deles.”
Ponto de vista público
O defensor público do Distrito Federal Ramiro Nóbrega Sant’Ana tratou dos aspectos do poder público na equação da Judicialização, mostrando um pouco de sua atuação. De entrada, evidenciou as dualidades da Saúde. De um lado, as diretrizes constitucionais: sistema universal, com gestão pública descentralizada, garantido por políticas sociais e econômicas, padrões federativos de investimento, acesso igualitário e relevância pública dos serviços de saúde.
“Por outro lado, temos as práticas governamentais: criação de um sistema alternativo de saúde, gestão terceirizada e contratualizada, desvinculação das receitas da seguridade e baixo investimento público, desfinanciamento do SUS e subsídios crescentes ao sistema privado, desregulação do setor privado e planos populares, além dos padrões de eficiência existirem somente para os consumidores”, listou.
O defensor público desmistificou um pouco a visão de que a judicialização é realizada apenas pelas elites, com privilegiados que demandam via Judiciário financiamento que retira o acesso do pobre, usuário exclusivamente do SUS. Com dados, mostrou que a Defensoria Pública do DF patrocina 95% das ações de Saúde na Justiça. Também mostrou números do Rio de Janeiro (53%), Bahia (57%), Rio Grande do Sul (59%) e Minas Gerais (61%).
O palestrante seguinte, Giovanni Guido Cerri, ex-secretário de Saúde do Estado de São Paulo, inclusive dialogou com os fatos apresentados. “Diferente da realidade das localidades apresentadas, em nosso estado a judicialização acontece, em 60% dos casos, com pacientes de clínicas e hospitais privados. A maior parte buscando medicamentos, oncológicos sobretudo.”
“Quando fui secretário, via médicos que eu conhecia receitando remédios caríssimos para pacientes particulares e já indicando junto determinados advogados para solicitar à Justiça. Ou seja, é um sistema organizado o da judicialização. Já vi caso de médico indicando para paciente com câncer de pâncreas em estado terminal um remédio de R$ 60 mil a dose, com estudo que o indicava para câncer de pulmão, dizendo apenas que retardava em 40 dias a doença no pâncreas”, relatou.
Cerri também falou sobre a responsabilidade dos planos de saúde nesta cadeia. Ele acredita que as operadoras deveriam entregar atendimento integral aos seus beneficiários, inclusive em alta complexidade. “Boa parte é descarregada na rede pública, como em casos de câncer e doenças cardiovasculares.”
O último a falar foi o procurador do município de São Paulo Joabe dos Santos Souza, que mostrou alguns números da Secretaria Municipal de Saúde. “São 4.190 ações em curso até setembro de 2018. Ou seja, 0,032% da população ou um processo a cada 3.125 habitantes. Destas ações, 94,4% são requisições de medicamento e/ou tratamento.”
“Me parece que os números não autorizam dizermos que há uma judicialização excessiva nesse caso, sobretudo em um município de 11 milhões de pessoas. Esses processos talvez mostrem alguma irregularidade do sistema ou um problema de acesso à Justiça. Entendo que o problema nas decisões judiciais em Saúde seja mais qualitativo. Há baixa densidade argumentativa, com decisões normalmente genéricas e com pouco rigor na análise”, finalizou.
Este 2º módulo do evento foi mediado pelo diretor de Defesa Profissional da APM, João Sobreira de Moura Neto. Na primeira parte dos debates, foram abordados tratamentos experimentais, conflitos que levam à judicialização na Saúde, a proposta do Fórum Nacional de Saúde do CNJ, critérios da diretriz de integralidade de assistência na Saúde e o papel do NAT-JUS.
Fotos: Marina Bustos