ÚLTIMAS

24/05/2017 - Certificação contínua e rigorosa em todo o mundo

Enquanto no Brasil vemos iniciativas como a ANASEM e o Exame do Cremesp esvaziados de caráter legal e reprobatório, outros países dão exemplo de um sistema de ensino rigoroso, longo e com certificação posterior. 

Baseado em experiências internacionais, o Brasil vem ganhando novas iniciativas que estimulam a avaliação criteriosa dos estudantes e médicos recém-formados. Os projetos esbarram, entretanto, no oficialismo, que parece cada vez mais distante da ideia de um exame eliminatório e obrigatório, atrelado à emissão do registro profissional de Medicina, como demonstram os primeiros atos da Avaliação Nacional Seriada do Ensino Médico (Anasem).

A iniciativa partiu do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) – vinculado ao Ministério da Educação (MEC) – por estar prevista na lei do Programa Mais Médicos. A princípio, foi gestada como uma condição para a obtenção do diploma de Medicina, com provas no 2º, 4º e 6º anos. Semanas após o anúncio, porém, o Inep voltou atrás no caráter reprobatório do último exame.

O Exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), por sua vez, chegou a se tornar obrigatório por um curto período, mas viu uma decisão judicial retornar seu status a optativo. De qualquer forma, funciona como importante indicador do panorama calamitoso da educação médica brasileira. Tentando evoluir este debate e auxiliar escolas com expertise e dados, inclusive, o Cremesp se aliou ao Hospital Sírio-Libanês para criar a Avaliação Periódica do Ensino Médico (Apem).

Este novo mecanismo será aplicado de maneira complementar ao Exame do Cremesp, nos 3º e 5º anos, e é baseado no modelo do National Board of Medical Examiners (NBME), instituição estadunidense. Para entender melhor como os Estados Unidos avaliam seus estudantes e médicos, conversamos com Donald Melnick, membro emérito do NBME. Investigamos também como o resto do mundo realiza esse controle de qualidade. Confira a seguir.

Estados Unidos

O United States Medical Licensing Examination é aplicado em três passos, avaliando a capacidade de compreensão e aplicação de conceitos de ciências básicas (adquiridos nos primeiros dois anos), de habilidades e compreensão de ciência clínica (para medir se o aluno está pronto para o internato) e de realização de prática clínica em plenitude. “Se você não passar no programa, não poderá praticar Medicina. Neste caso, o médico graduado não aprovado deve buscar outra ocupação enquanto não consegue passar”, relata Melnick.

Quanto à avaliação continuada, o representante do NBME explica que a maioria das posições no país exige – além da licença – treinamento em uma área de especialização. Funciona como uma residência médica: você termina a graduação, depois passa alguns anos em uma especialidade e realiza um exame para obter a certificação. Hoje, existem 24 exames de especialidade nos EUA – e 95% dos médicos têm uma especialização ou mais.

“As nossas organizações oferecem reavaliação periódica para que as pessoas mantenham sua certificação e tenham autoridade legal para exercer a Medicina. É uma prática comum, na qual a maioria dos médicos se envolve. Atualmente, a renovação da licença (que tem de ocorrer a cada dois anos) exige que o profissional apresente provas de que praticou a Medicina por um número determinado de horas”, explica.

A resposta breve de Melnick para responder se o NBME desenvolveu a educação médica no país é “sim”. Um dos principais benefícios que ele enxerga na avaliação é o estímulo fornecido às escolas. As que se atrasam em conteúdo e qualidade, perdem. Com o exame, elas estão sempre tentando alcançar um padrão maior.

Inglaterra

O sistema de saúde inglês é um dos que se aproximam da ideia do nosso Sistema Único de Saúde (SUS), prestando atendimento médico a todos os residentes legais no país – mesmo turistas recebem atendimento de emergência gratuitamente. E por aí ficam as semelhanças, já que, para um médico ingressar no National Health Services não basta apenas ser formado, como aqui.

Com o advento, em 2007, do Medical Training Application Service, a Inglaterra definiu uma grade de educação continuada obrigatória após a graduação. Após concluir os estudos – que demandam entre cinco e seis anos – em uma universidade inglesa, o médico ingressa no Foundation Programme. Esta primeira etapa consiste em dois anos de treinamento rotativo em Clinica Geral, Emergências, Pediatria, Psiquiatria, Obstetrícia e Patologia, comumente.

Somente após superar esses passos os profissionais podem se registrar no General Medical Council (conselho profissional local) e atuar no sistema público. Quem, por ventura, não supera o Foundation, acaba optando por outras ocupações, como trabalhar nas forças armadas. O NHS, inclusive, é completamente atrelado ao ensino médico no país, visto que após estes dois primeiros anos, os médicos se encaminham para a especialização em Clínica Geral (três anos) ou nas demais áreas (mínimo de seis anos) em hospitais do sistema.

Com um certificado de especialista em mãos, os médicos chegam ao último nível obrigatório de educação continuada. Aqui, eles se firmam como um general practitioner ou como um consultant. No primeiro caso, o profissional optou pelo estudo em Clínica Geral, chegando neste ponto com pelo menos cinco anos de dedicação. Já o consultant optou por outras especialidades e aqui já soma no mínimo oito anos de treinamento. Eles ainda podem continuar os estudos para receberam os títulos de doutores, com trabalhos acadêmicos, ou repetir o processo em outra especialidade.

Com um certificado de especialista em mãos, os médicos chegam ao último nível obrigatório de educação continuada. Aqui, eles se firmam como um general practitioner ou como um consultant. No primeiro caso, o profissional optou pelo estudo em Clínica Geral, chegando neste ponto com pelo menos cinco anos de dedicação. Já o consultant optou por outras especialidades e aqui já soma no mínimo oito anos de treinamento. Eles ainda podem continuar os estudos para receberam os títulos de doutores, com trabalhos acadêmicos, ou repetir o processo em outra especialidade. E desde 2003, por conta de um trabalho em conjunto das universidades, existe a Associação de Avaliação Médica de Universidades, espaço de trabalho conjunto em prol da qualidade de avaliação dos alunos.

A garantia de qualidade da educação médica na graduação passa também pelo General Medical Council, que tem a aptidão de retirar o endosso de qualquer escola médica que não cumpra as expectativas. Isso não significa que a faculdade deixará de ter seu curso funcionando, mas que o órgão não a recomendará mais.

Outros países

A saúde na Argentina se equilibra entre o público e o privado e as escolas médicas argentinas oferecem cursos de seis anos aos estudantes, com ciclos de ciências básicas (três anos), ciências clínicas (dois) e internato (um). Após formado, o médico está apto a atuar no país. A Associação Médica Argentina, entretanto, mantém o esforço de avaliar a educação médica continuada dos profissionais, a fim de garantir um atendimento de melhor qualidade aos cidadãos. Desde 1987, a entidade mantém o voluntário exame de Recertificación. A avaliação é destinada aos médicos com mais de cinco anos de formação e deve ser realizado a cada outros cinco anos.

Já na Alemanha, a educação médica em nível de graduação não difere muito dos demais países: são seis anos de curso, divididos entre ciclos de ciência básica, ciências clínicas e prática clínica. O que diferencia o país na educação médica é um exame estatal que é obrigatório e acontece em três etapas diferentes, de maneira parecida com o USMLE. O primeiro passo acontece após dois anos de estudos, com uma avaliação escrita e oral baseada em Anatomia e Bioquímica. O estágio seguinte acontece após cinco anos de faculdade, com um exame escrito relacionado a um caso real. É preciso ter sido aprovado na primeira prova para realizar o segundo exame. O estágio final acontece no ano seguinte, após a graduação. É um exame oral e prático. Se aprovados, os estudantes obtêm suas licenças médicas e o direito de praticar Medicina no país. Já os treinamentos em especialidades levam de cinco a seis anos. Os médicos se candidatam a um trabalho diretamente em um hospital licenciado para o treinamento na especialidade desejada e são ensinados, acompanhados e supervisionados por especialistas com licenças para isso. Não há educação continuada obrigatória, mas a maioria dos médicos continua os estudos para receber o título de doutor.

Adota também os seis anos na educação médica a Espanha. Para se formar, o estudante realiza, em seu último ano, um Trabalho de Conclusão de Curso e uma Evaluación Clínica Objetiva Estructurada da própria faculdade – ou seja, um exame que incorpora diversos instrumentos avaliativos, simulando situações clínicas. Após a graduação, apenas um exame: o Médico Interno Residente (MIR). Essa prova contém 225 questões optativas e serve para ranquear os estudantes. Os melhores colocados têm prioridade para escolher qual a especialização e o serviço que querem ingressar (este treinamento dura de dois a cinco anos).

O Japão talvez seja o país que mais se aproxima dos Estados Unidos no quesito da educação médica. Os quatro primeiros anos envolvem ensino de ciências básicas e aplicadas, com uma bateria de exames ao fim do período. No sexto ano, há também as avaliações de graduação. Mas o médico formado não pode atuar até passar no Kokushi, a versão japonesa do UBMLE, com 500 questões de múltipla escolha. Uma vez aprovado, o médico tem de ir a um período de treinamento obrigatório de dois anos, semelhante ao Foundation Programme inglês, no qual escolhe alguns poucos departamentos onde quer atuar profissionalmente e reveza entre eles. Após esse período, normalmente, o profissional escolhe a especialidade que quer seguir, comumente em um hospital universitário. Somente após cinco anos em um departamento é que o especialista pode realizar um exame nacional para especialistas. A partir daí muitos partem para clínicas próprias e privadas.

Matéria publicada na Revista da APM -  edição 688 - maio 2017