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22/09/2020 - “Cidadão Kane” é tema do Cine Debate de setembro

A Associação Paulista de Medicina promoveu na última sexta-feira, 18 de setembro, mais uma edição do Cine Debate. O evento, realizado on-line, falou sobre o filme “Cidadão Kane” (1941), de Orson Welles, considerado uma das maiores produções cinematográficas de todos os tempos.

O tema do debate foi “Inveja, oportunismo, megalomania e suas repercussões na sociedade”. De acordo com o médico psiquiatra, presidente da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática e há 22 anos coordenador do Cine Debate, Wimer Bottura Junior, foi muito importante ter a oportunidade de mediar mais um encontro abordando um filme tão significativo e aclamado.

“É uma honra ter esse trabalho com essa plateia que nos prestigia. É muito gratificante poder compartilhar a nossa experiência e proporcionar conhecer pessoas interessantíssimas, como os nossos debatedores, sem os quais o nosso trabalho não teria o brilhantismo que tem.”

Durante a discussão, a obra foi analisada pelos especialistas Jeffis Carvalho, jornalista e pesquisador de cinema, e pelo psicanalista Ignácio Gerber, que apresentaram suas visões e intepretações sobre o filme.

O longa expõe a história da ascensão de Charles Foster Kane, um magnata da imprensa estadunidense, que após pronunciar a palavra “rosebud” vem a óbito. A intrigante e desconhecida expressão dita antes do momento de sua morte é o ponto de ignição do filme, visto que uma jornalista, curiosa para entender o que foi dito por Kane, passa a investigar o seu passado através de entrevistas com pessoas que conviviam com o magnata, revelando aos poucos, a sua verdadeira personalidade e modo de vida.

De acordo com Jeffis Carvalho, o filme é uma das obras cinematográficas mais analisadas e estudadas por conta de sua complexidade e por representar o marco do atual cinema moderno, apresentando uma nova linguagem narrativa e rompendo com os antigos cânones do cinema clássico. Para ele, o brilhantismo do jovem diretor Orson Welles, que na época tinha apenas 25 anos, também é uma considerável influência para que o filme seja tão aclamado mesmo depois de quase 80 anos do seu lançamento.

“Ele tinha um grande time para fazer o filme junto com ele, além disso não tinha nenhum compromisso com Hollywood naquela época, pois o estúdio deu carta branca para que o diretor trabalhasse da maneira que acreditasse que seria melhor. Estava tudo delineado para ele fazer uma obra-prima. Ele conta a história de um jornalista em formato jornalístico, então além da objetividade, ele quer a subjetividade daquele personagem, isso dá abertura ao cinema moderno, que se vale de contar histórias para expor para o público subjetividades. Esse é o primeiro filme que faz isso, o pioneiro”, expressou.

Conforme a visão de Ignácio Gerber, Cidadão Kane representa um longa-metragem que prende a atenção de seus espectadores mesmo que eles já tenham assistido à obra mais de uma vez e para ele é isso o que faz um filme ser bom. O participante fez uma análise acerca de alguns devaneios que podem surgir no público sobre a mentira e o dinheiro, constantemente presentes no decorrer da história.

“Não há julgamentos sobre mentir, mas a mentira é uma negação de uma realidade que pode frustrar e nós, seres humanos, temos pouca tolerância à frustração. Eu imagino que em Cidadão Kane há um debate sobre mentiras e verdades e tem muito dessa questão de Kane impor a sua verdade acima de outras”, descreveu.

Para Gerber, a questão da manipulação do personagem principal sobre todas as pessoas que estão a sua volta está diretamente atrelada à questão das mentiras. O fato de ele usar o dinheiro para conseguir tudo o que deseja também é, para o analista, uma maneira de desprezar o seu passado após ser abandonado pelos pais.

“Quase no final do filme há uma frase que é mais ou menos assim: ‘uma palavra não dá conta de explicar um homem’. Eu acrescentaria que nem um milhão delas são capazes de fazer isso, porque se a personalidade e história de vida tão complexas de Kane ficassem explicadas, não haveria nenhuma dúvida sobre o filme e não seria possível ter um debate sobre a sua história, pois ela não iria existir”, explicou.

Wimer Bottura, durante a discussão, definiu que, apesar de ser uma questão consideravelmente delicada, o filme está diretamente conectado à ética do jornalismo. Desta maneira, a obra pode ser considerada uma importante ponte na área da comunicação para se discutir maneiras de fazer uma prática jornalística com mais clareza e mais ética.

“Cidadão Kane nos mostra a importância da contradição para que possamos nos nortear. No filme, fica claro que o protagonista não aceita ser contrariado e qualquer pessoa que faça isso com ele, ele elimina. Por isso, ele acaba criando diversos admiradores que na verdade são apenas bajuladores. Esse tipo de comportamento é muito importante de ser questionado”, apontou.

Botura também indicou que a personalidade de Kane parece de alguém que não se importa com opiniões alheias, mas que, na verdade, ele dá muito valor ao que pensam dele e tenta constantemente se provar para os demais. A carência de empatia, no entanto, o transforma em um grande manipulador.

“Ele tinha uma relação doentia de uma criança enganada pelos próprios pais. Eles perdeu a infância e passou a vida inteira com aquele cristal que estava com ele no momento de sua morte, aquela era uma representação da infância que lhe havia sido roubada. É interessante porque todo o filme gira em torno de entender o significado de rosebud, a palavra que ele diz antes de morrer, quando na realidade, o significado estava na frente de todos durante o tempo todo”, concluiu o coordenador do Cine Debate.