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02/12/2020 - ‘Crepúsculo dos Deuses’ é tema de 6ª edição on-line do Cine Debate APM
No último dia 27 de novembro, a produção estadunidense “Crepúsculo dos Deuses” (1950), de Billy Wilder, foi abordada em mais uma edição do Cine Debate da Associação Paulista de Medicina, realizado virtualmente este ano. O evento, coordenado pelo psiquiatra e psicoterapeuta Wimer Bottura Junior, trouxe como tema central a diferença entre personagem e pessoa e foi transmitido pela TV APM no YouTube.
No filme, o roteirista Joe Gill (William Holden) narra a história de uma decadente atriz da era do cinema mudo de Hollywood, Norma Desmond (Gloria Swanson). Caída no esquecimento e alimentando-se da recordação da fama, ela vive em um palacete deserto na Sunset Boulevard, avenida importante de Los Angeles, atendida apenas por seu mordomo Max (Erich von Stroheim). Gill, então, é contratado para reescrever o roteiro de um improvável retorno triunfante de Norma às telas.
“Por que a película se chama ‘Crepúsculo dos Deuses’? Crepúsculo é queda, perda do brilho, pôr do sol. E quem são os deuses? O grande Deus é o Max, porque ele transforma Norma em uma atriz rica, famosa e admirável, produz os melhores filmes dela e envolve-se com ela. Mantida na ilusão, vaidade e ignorância dos fatos, é uma marionete nas mãos dele. Ele quem escreve as cartas dos fãs, administra os recursos e escolhe com quem ela vai viver”, enfatizou Wimer.
“Crepúsculo dos Deuses” foi indicado a 11 óscares e ganhou três: melhor roteiro original, melhor direção de arte em preto e branco e melhor trilha sonora original. “É um metacinema, ou seja, um cinema que fala sobre cinema, um filme sobre cinema. Procura mostrar de uma forma contundente como eram tratados os antigos astros, e mesmo pessoas boas e honestas poderiam ser corrompidas pelo dinheiro. É uma produção clássica que descreve a decadência profissional e pessoal as quais todos estão vulneráveis”, acrescentou o médico psiquiatra Arthur Kaufman, que participou do debate.
A iluminação, a fotografia e o enquadramento são aspectos técnicos interessantes notados em “Crepúsculo dos Deuses”, disse Kaufman. “As duas formas de iluminação de fotografia se chamam high key (chave alta), usadas para cenas alegres, de otimismo, com a impregnação de luz forte, pouco contraste e pouca sombra, e low key (baixa chave), com o uso de pouca luz, muito contraste, muita sombra, enfatizando os contornos e a ausência, para destacar as cenas sérias, tristes, depressivas e de mistério. O claro e o escuro são usados para mostrar o otimismo e as sombras dos personagens, o que ajuda muito na compreensão do filme.”
É um estudo de caso sobre a transformação de uma indústria, a partir do aparecimento de uma nova tecnologia disruptiva, uma tecnologia que muda radicalmente as coisas, rompendo paradigmas, segundo outro debatedor, o antropólogo Marco Antonio Oliveira.
“Quis mostrar o choque entre o novo e o velho. O cinema mudo, que precisava ser teatralizado, dá espaço para o sonoro, que trouxe outra realidade. Constante mudança de ângulo, câmera e seus vários enquadramentos, as tomadas de zoom, as falas de atores, com diversos tons, trilhas sonoras, possibilidades de dublagem, uma nova movimentação dos atores; trouxe ainda mudanças profundas em figurino e iluminação, inovação em maquiagem, edição do filme pós-produção”, pontuou.
Entre a fama e o anonimato
O antropólogo fez, ainda, uma análise do protagonista Joe Gill. “Ele desfruta na casa o seu inconsciente, tenta entender nesse ambiente seus próprios desejos obscuros, seus recalques, seus próprios conflitos individuais e suas desmotivações mais profundas.” Já Norma, refugiada no casarão velho, “representa o habitat misterioso das nossas emoções desconhecidas e pulsantes”, completou.
Fora do casarão, a realidade externa continua com seus hábitos comuns do dia a dia. “Os dois cenários são delimitados e demarcados, o inconsciente, o labirinto, o misterioso e o enigmático, em contraste com o trabalho e a esperança por dias melhores”, explicou Oliveira.
“Sabemos que o glamour de Hollywood não contempla todo mundo, apenas alguns poucos. Norma enlouquece porque não consegue realizar um bom casamento entre a vida profissional e a vida pessoal. Ela não sabe renunciar a fama, inclusive isso é muito difícil para muitos artistas, esportistas e políticos. Alguns deles entram em quadros psicóticos ou apelam para escândalos na mídia para voltarem a ser notícia”, informou Kaufman.
“As pessoas lutam muito para serem admiradas, isso não é ruim a princípio. O ruim é quando a dependência por admiração é tão forte ou equivalente a um vício de LSD ou de cocaína, é talvez mais destrutiva que as próprias drogas. Admiração vicia e é perigosa”, finalizou Bottura.