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02/08/2017 - Defesa Profissional: Perigo real e imediato

SEJA NO NORTE, NORDESTE, CENTRO-OESTE, SUL OU SUDESTE, OS REPRESENTANTES DOS ESPECIALISTAS RELATAM SOFRER COM MÁ REMUNERAÇÃO, INTERFERÊNCIA NA ATUAÇÃO E DESRESPEITO À LEI 13.003/14

Você, leitor da Revista da APM, acompanha periodicamente em nossas páginas todo o esforço contínuo da Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina, junto às demais entidades paulistas – como o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), o Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) e a Academia de Medicina de São Paulo –, para negociar melhorias nas condições de trabalho dos médicos com as operadoras de planos de saúde.

Apesar de a Lei 13.003/2014 prever que todos os médicos que atendem convênios devem manter um contrato escrito com as operadoras, que contenha cláusulas sobre reajuste e periodicidade do mesmo, a reivindicação passa por questões como contratualização entre as partes, correção das remunerações defasadas para todos os procedimentos e fim da interferência no trabalho dos profissionais.

É verdade que a APM e entidades coirmãs do estado conquistaram diversos avanços nos últimos anos, a despeito de o panorama ainda não se encontrar no ideal. Contudo, ainda é fácil observar a existência de contratos irregulares, repasses insuficientes e baixos, dificuldade em realizar certos exames e procedimentos e as recorrentes glosas.

Em São Paulo, um dos maiores centros da Medicina brasileira, a situação é por vezes precária. Mesmo porque as representações locais e sociedades de especialidades médicas lutam sozinhas, sem respaldo de representações nacionais, como a Associação Médica Brasileira.

No restante do País, a tendência é que as dificuldades sejam ainda maiores. Nesta reportagem, nos propusemos a investigar a situação do trabalho das sociedades de especialidades em todo o território nacional, a fim de tentar traçar um panorama de como está a relação dos médicos com as operadoras.

Fato é que foram encontradas muitas queixas em relação a procedimentos sub-remunerados, apesar da alta periculosidade envolvida, e à falta de diálogo entre os planos e as sociedades locais. Há relatos de decisões unilaterais, desrespeito à determinação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre a obrigação de contratos que prevejam reajustes anuais, negociação etc.

Vale frisar outra vez que fica bem claro que, em muitas ocasiões, falta poder de barganha às entidades que representam as especialidades médicas regionalmente, sobretudo em locais mais distantes dos principais centros do País. Em determinadas regiões, as conversas nem ocorrem, com operadoras determinando valores e contratos diretamente com hospitais e clínicas.

Até seis anos atrás, a situação era bem diferente, ao menos do ponto de vista da organização da classe e do poder de negociação. Tínhamos um trabalho forte da Comissão Nacional de Saúde Suplementar (COMSU), órgão que congregava e unia as entidades nacionais e encaminhava as lutas dos médicos em relação aos planos e operadoras de saúde.

A COMSU batalhava por honorários justos, pelo fim das pressões dos planos para que os médicos reduzissem procedimentos essenciais para o atendimento aos pacientes, por saúde adequada à população e cobertura universal a todos os usuários.

Encaminhou greve nacional, além de vários movimentos de protesto e luta. À ocasião, tinha como representantes o Conselho Federal de Medicina (Aloísio Tibiriça), a Associação Médica Brasileira (Florisval Meinão, hoje presidente da APM) e a Federação Nacional dos Médicos (Márcio Bichara). Todos os anos, havia movimentos unificados no Brasil inteiro em defesa do médico e dos pacientes.

Ocorre que, ao assumir, a atual gestão da AMB deu as costas para a COMSU, desmobilizando a classe. Assim, nos últimos anos, os movimentos desse gênero praticamente ficaram restritos a poucos estados, onde há órgãos estaduais com estrutura semelhante à Comissão Nacional de Saúde Suplementar (COMSU) e coesão entre as entidades.

Alguns lamentáveis desdobramentos disso você pode conferir a seguir, em depoimentos de representantes das sociedades de especialidades nas cinco regiões brasileiras.

REGIÃO NORDESTE
“Já tivemos reuniões, mas temos muitas dificuldades, principalmente com a tabela de puericultura. Não são todas as operadoras que pagam de acordo com ela, então é complicado. Estamos tentando nos mobilizar. Existem procedimentos de consultórios que têm valores baixos, como a aplicação da escala comportamental de Denver – instrumento de triagem de desenvolvimento, que o convênio paga muito pouco, se considerarmos sua importância. Essa questão nos chama atenção, pois é uma aplicação prioritária e exigida por lei. O valor da consulta geral também não está completamente contemplado, há muita defasagem”, Maria Francielze Holanda Lavorpresidente da Regional Ceará da Sociedade Brasileira de Pediatria

“Atuo na saúde suplementar por meio da cooperativa de Anestesia e estamos sempre lidando com glosas e atrasos. Quando há glosas, entramos com recursos e estamos, de modo geral, obtendo sucesso em favor dos médicos. Mas posso dizer que anestesia para amígdala, por exemplo, é um procedimento que está com um pagamento muito baixo, tendo em vista as possibilidades de complicação. Hoje, o porte é 2 e deveria ser pelo menos 5. Procedimentos relativos às cirurgias de hérnias também contam com remuneração muito pequena. Até por isso você tem muitas dificuldades em realiza-los, já que os cirurgiões são mal pagos”, Frederich Marcks, diretor de Defesa Profissional da Regional Rio Grande do Norte da Sociedade Brasileira de Anestesiologia

“Há poucos meses, começamos uma nova modalidade de relacionamento com operadoras que não existia antes. Há uma comissão de negociação de honorários – que une os presidentes das sociedades, do Conselho Regional e da Associação Médica de Pernambuco – que já conquistou bons resultados para outras especialidades. Agora, esperamos avanços para nós. Enfrentamos dificuldades, não temos ajustes razoáveis, as operadoras utilizam tabelas muito antigas – de 1995, 1998 – e muitas insistem em nem nos conceder o reajuste previsto pela ANS. Algumas creem estar fazendo favores em nos manter credenciados. Procedimentos novos ainda não possuem nem preços nas tabelas. Outros, como endoscopia digestiva e colonoscopia, são muito subremunerados”, Gerson César Brasil Júnior, presidente da Regional Pernambuco da Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva

“Aqui, hoje, as relações são respeitosas, mas as negociações são muito difíceis, sempre com tentativas de reajustes abaixo dos índices propostos, inclusive pela ANS. Sofremos com glosas indevidas, desrespeito aos valores negociados, muitas alegações de ‘falhas do sistema’ para justificar erros nos pagamentos, atrasos de mais de 60 dias e falta de correção aos pagamentos feitos com atrasos. Os procedimentos mais baratos atualmente são as visitas hospitalares, que consideramos precisar pelo menos dobrar o valor”, Glória Tereza Lima Barreto Lopes, presidente da Regional Sergipe da Sociedade Brasileira de Pediatria

REGIÃO NORTE
“O valor das consultas prejudica o cardiologista. Hoje, para um exame de esteira, por exemplo, recebemos R$ 120 – o mesmo que há 10 anos. Ou seja, os custos aumentam, a remuneração das equipes aumenta, a inflação cresce, o câmbio influencia, tudo fica mais caro, mas o exame fica congelado por uma década. Considerando exames de alta complexidade, um cateterismo cardíaco custa R$ 1.000, enquanto deveria ser, pelo menos, mais de R$ 2.000. Um valor muito pequeno para algo que demanda técnico, anestesista e um equipamento de R$ 2 milhões. A consulta, ao menos, aumentou recentemente. O maior problema é mesmo a remuneração dos procedimentos, com planos utilizando tabelas de 2005 como base. É uma reclamação geral”, Andrés Gustavo Sánchez, presidente da Regional Tocantins da Sociedade Brasileira de Cardiologia

“Há muitas dificuldades. Não existe conversa dos especialistas com as operadoras e sofremos muito com atrasos de pagamentos e glosas. Na verdade, essa relação está acontecendo diretamente entre clínicas, hospitais e planos de saúde. Os médicos acabam perdendo poder de barganha e fica difícil cobrar melhoras. Agora, há o reajuste estabelecido pela ANS, mas não é suficiente para superar a defasagem que já existe desde antes. O ideal seria que conseguíssemos negociar essa recuperação dos preços. O pagamento por procedimentos como um raio-x ou um ultrassom abdominal está muito aquém do justo”, Carlos Alberto Costa do Amaral, segundo-tesoureiro da Regional Pará do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem

“Não conseguimos, na verdade, efetivar acertos entre a nossa sociedade e os planos, pois somos uma comunidade pequena. As negociações são feitas ponto a ponto, pelo próprio serviço e as operadoras. Sou também diretora da única clínica privada da especialidade do Acre, em Rio Branco, e lá faço esse contato direto, representando o serviço. Identifico que, como em todo o País, enfrentamos uma crise na saúde suplementar, com pouco dinheiro. As operadoras seguram do jeito que podem a remuneração, não há reajustes adequados – obrigatórios, inclusive – e vivemos fazendo acordo para não interromper atendimentos. Diariamente, há problemas com glosas e recusas de procedimentos. Fora os procedimentos sub-remunerados, completamente defasados, bem como a consulta”, Teresa Cristina Maia dos Santos, presidente da Regional Acre da Sociedade Brasileira de Pediatria

REGIÃO CENTRO-OESTE
“Os valores que recebemos são impostos, em sua maioria, pelos planos de saúde, ficando congelados por tempo indefinido. Quando se tenta uma negociação para correção inflacionária, há a justificativa de que não é possível devido à crise, em qualquer época que seja. Sabemos que há correção do valor pago pelo usuário ao plano, mas o valor não nos é repassado. Mesmo após a vigência da Lei 13.003/2014, os reajustes não são concedidos. Enquanto a inflação acumulada pelo IPCA desde 1996 chega a 300%, o valor médio das consultas passou de R$ 30 para R$ 70 no período. Uma ultrassonografia que valia R$ 75 na época, hoje vale R$ 90, em média. Em uma cesariana, os honorários foram de R$ 300 para R$ 400, em mais de 20 anos”, Edvardes Carmona Gomes, diretor de Defesa Profissional da Regional Mato Grosso do Sul da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia

“Em questão de negociações, seguimos as orientações da entidade nacional, focando bastante no ensino por aqui. Mas as dificuldades na saúde suplementar são muitas. A remuneração está defasada, as negociações com as operadoras existem, há movimentos, mas elas dificilmente entram nas discussões. De fato, os médicos perderam poder de compra e de barganha. Procedimentos como a artroplastia total de joelho, a artroscopia e a reparação ligamentar estão muito subvalorizados”, Paulo Emiliano Bezerra Júnior, presidente da Regional Distrito Federal da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia

REGIÃO SUDESTE
“Aqui em Minas Gerais, a cooperativa é que costuma entrar em contato com os planos de saúde, tendo um bom relacionamento. A sociedade e a cooperativa realizam um trabalho conjunto. Quando há casos de glosas, a cooperativa entra em contato para resolver as questões, mas não há tantos problemas nesse sentido. Por outro lado, há diversos procedimentos que estão defasados, precisando muito de um realinhamento nos valores. É o caso do trabalho em cirurgias pediátricas –cujo procedimento é muito melindroso – e dos procedimentos em otorrinolaringologia. Também ocorre em vasectomias e amigdalectomia, ações que precisam de anestesias gerais, um trabalho grande e com risco inerente”, Michelle Nacur Lorentz, presidente da Regional Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Anestesiologia

“Infelizmente, hoje a Clínica Médica é uma sociedade menor do que outras, que tomam a frente de debates com operadoras. Aqui, praticamente não temos tido reuniões de negociações com os planos. Esse debate fica mais com o Conselho Regional. Mas enfrentamos problemas. Tenho a impressão, aliás, de que no País inteiro existam problemas na saúde suplementar. Os pacientes sofrem muito com a dificuldade de liberação de exames, ainda que sejam muito simples, e até com a falta de leitos. Quando o exame é mais sofisticado, as dificuldades são muito grandes. Os médicos ainda têm de enfrentar glosas. Alguns planos pagam bem no geral, mas prejudicam a Clínica Médica e pagam muito mal as consultas – o que é um erro total, já que os clínicos podem evitar complicações posteriores e muitas internações”, José Galvão Alves, presidente da Regional Rio de Janeiro da Sociedade Brasileira de Clínica Médica

“Hoje, a relação dos especialistas com a rede suplementar parece muito com a relação patrão-empregado, na qual o patrão escolhe para quem e quanto paga, sem nenhuma ou pouca negociação, visando poucas vezes a qualidade. Há pequenas regiões do estado com uma maior negociação, dependendo da organização regional. Onde há grupos únicos de anestesiologistas e são unidos, a balança é mais equilibrada. Em vários locais, essa discrepância é evidenciada com o exagero de glosas feitas, com recebimento dificultado mesmo após justificativas, além do atraso no repasse, chegando a 90 dias. Quando vai se falar em tabelas, não é incomum encontrar muitos convênios utilizando antigas como base. Os procedimentos são pagos por Porte Anestésico, nos quais quanto mais saudável o paciente, menor o valor, como adenoamigdalectomias em crianças ou curetagens uterinas em mulheres jovens. Estamos indo para uma situação completamente aberrante, na qual médicos
torcem para que pacientes fiquem doentes e gerem exames, consultas e procedimentos em números exponenciais, e até mesmo autocriados, e planos de saúde que vedem uma coisa que não entregam para o paciente, pois quanto mais ineficiente, menor é o gasto e maiores os lucros”, Alexandre Maitto Caputo, vice-diretor de Defesa Profissional da Regional São Paulo da Sociedade Brasileira de Anestesiologia

REGIÃO SUL
“A Lei 13.003/2014 tornou obrigatória a existência de contratos escritos entre as partes, com reajuste anual obrigatório. No entanto, no Paraná, as operadoras não praticam negociação e nem o reajuste anual obrigatório. Elas impõem unilateralmente valores geralmente inferiores aos da CBHPM vigente. Há muitos problemas. O atendimento ambulatorial em puericultura, por exemplo, não é adotado como cobertura mínima obrigatória por diversas operadoras. E as que o adotam como obrigatório remuneram pouco. Há grande defasagem no que se refere à consulta de pronto-socorro, com relação ao valor praticado em consultório. Além disso, o atendimento em sala de parto e o teste do olhinho são outras práticas mal remuneradas”, Milton Macedo de Jesus, vice-presidente da Regional Paraná da Sociedade Brasileira de Pediatria