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09/06/2020 - Dois Papas é tema do primeiro Cine Debate on-line da APM
Na noite da última segunda-feira (8), a Associação Paulista de Medicina realizou seu primeiro Cine Debate on-line, com a participação de mais de 100 pessoas por meio da plataforma Zoom. “Eu só queria lembrar que há 22 anos, exatamente no mês de junho de 1998, meu caro amigo Wimer Bottura Júnior, que há muitos anos vive a Cultura, iniciou a coordenação desta programação mensal. Desde então, já tivemos 192 edições, algo fabuloso”, iniciou o presidente da APM, José Luiz Gomes do Amaral, ao dar abertura ao evento.
De acordo com ele, não poderíamos deixar de dar continuidade ao projeto. “Não seria uma pandemia que iria nos impedir, mesmo sendo a distância. Têm desvantagens pela falta do contato físico presencial mas, por outro lado, a rede virtual permite atingir todos os colegas de São Paulo, ultrapassando inclusive a fronteira do nosso estado. Enfim, começamos uma nova fase do nosso Cine Debate”, ressaltou Amaral.
“Sim, temos uma experiência de 22 anos de Cine Debate, é um sucesso presencial. Há três meses, tivemos que brevemente parar o evento em virtude da reforma do auditório e, em seguida, nos deparamos com a questão do novo coronavírus. Agora, temos a oportunidade de levar a programação de forma interativa e virtual. As pessoas assistem ao filme antecipadamente e depois podem participar das discussões”, ressalta o coordenador Wimer Botura Júnior.
Filme premiado
Em 2013, o mundo foi pego de surpresa quando o Vaticano anunciou - no dia 11 de fevereiro - que Bento XVI renunciaria ao papado, em 28 de fevereiro. Em 13 de março daquele mesmo ano, no segundo dia do conclave (reunião de cardeais, integrantes do sacro colégio), o cardeal Jorge Mario Bergoglio foi eleito papa, escolhendo o nome de Francisco I. Discutir os bastidores da Igreja Católica, a partir de um encontro entre o atual e o futuro chefe do Estado da Cidade do Vaticano, é o marco da película Dois Papas, de Fernando Meirelles.
O psiquiatra Alfredo Augusto R. Toscano, diretor Científico da Associação Brasileira de Medicina Psicossomática, argumenta que as imagens do filme são bem produzidas, como as feitas na Capela Sistina, situada no Palácio Apostólico, residência oficial do Papa, tendo em alguns momentos uma sonoridade de tango ao fundo. “Quando visitei o Vaticano, tive contato não sob o ponto de vista teológico nem da prática cristã, mas de como a estrutura formal da Igreja Católica herda a cultura do Império Romano.”
No decorrer do filme, segundo ele, é difícil separar a linha tênue entre ficção e realidade, entretanto, a narrativa fictícia permeia boa parte da produção audiovisual, e traz como ponto alto justamente o diálogo entre Joseph Aloisius Ratzinger (Bento XVI) e Jorge Mario Bergoglio (Francisco I). “Porque é muito difícil alguém adentrar em uma conversa íntima entre dois papas”, explica.
Os dois papas, embora sejam da mesma Igreja Católica, pertencem a mundos distintos, resgatados no decorrer da história. “Ratzinger é alemão, hoje com 93 anos, criado em um ambiente nazista, não dá para imaginar o que ele viveu enquanto criança/jovem naquele período; enquanto Bergoglio, argentino, filho de pai italiano e mãe filha de genoveses, é o primeiro papa latino-americano. São dois ambientes com estilos diferentes”, pontua o psiquiatra.
Ao comparar com a nossa realidade atual, com muitas dicotomias, a tendência é estabelecermos imagens muito contrárias e até adversárias do que vivemos, acrescenta Toscano: “Com um que carrega a imagem do bem e o outro do mal, no decorrer do filme, as diferenças são complementares. Duas personalidades diferentes, com histórias diferentes, mas as duas personagens são importantes, e trocam inclusive experiências de vida. Por um lado, um conservador e contemplativo; por outro, um pragmático e progressista.”
Culpa, tomada de consciência, responsabilidade, confissão e libertação são temas que permeiam boa parte do diálogo das personagens, tornando-os confessores um do outro, analisa o especialista. Toscano ainda avalia que os atores Anthony Hopkins (Bento XVI) e Jonathan Pryce (Francisco I) foram brilhantes nas interpretações. Não por acaso, foram indicados ao Oscar de melhor ator para Pryce e melhor ator coadjuvante para Hopkins.
Romance cinematográfico
Dois Papas é roteirizado pelo produtor Anthony McCarten, especialista em biografias, que ainda tem no currículo os roteiros dos filmes Lawrence In Arabia, Bohemian Rhapsody, O Destino de uma Nação, A Teoria de Tudo e A Morte do Super-Herói.
“É importante frisar que ele é especialista em colocar elementos de romance e cinematografia, ao utilizar pano de fundo real. Ou seja, boa parte do que assistimos é romanceado, presumido em declarações reais dos dois personagens principais, diálogos que disseram em declarações, sermões ou cartas abertas. Procurou-se, contudo, reproduzir o pensamento daqueles dois personagens que são realmente um tanto dicotômicos, apesar de eu também acreditar que o filme consegue fugir bastante do maniqueísmo de um papa bom e outro ruim”, informa o especialista em Audiovisual e Cinema Yuri Teixeira.
Ele também concorda que a direção de Fernando Meirelles aborda o embate entre a Igreja tradicional, com a manutenção fiel de suas raízes, e outra progressista, que quer acompanhar as transformações de seu tempo. “Mesmo quando somos levados a ter uma visão mais pelos olhos do papa Francisco I - tornando-se o personagem central, talvez pelos flashbacks da sua história -, o que se evidencia é que estamos diante de duas visões diferentes e das duas correntes proeminentes da Igreja Católica, e ambas encontram lugar nela.”