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23/04/2017 - Editorial Florisval Meinão: Hora H para os médicos e a saúde
Vivemos um momento no qual profundas modificações nas relações de trabalho têm, de certa forma, influenciado a atividade profissional do médico. A velocidade com que estas mudanças são introduzidas, sem amplo debate com a sociedade, deixam diversas incertezas quanto ao impacto em nosso trabalho.
Destaco algumas que já foram implantadas ou que estão em fase de estudo, para que possamos refletir mais e melhor. Uma delas é a proposta de planos de cobertura restrita, batizados pelo Governo marqueteiramente de planos populares de Saúde. Desde o ano passado, o Ministério da Saúde tenta introduzir esse novo modelo “acessível”. Para tanto, criou um grupo de trabalho que excluía entidades médicas e consumidores. A proposta incluía redução das coberturas, exclusão de procedimentos de alta complexidade, aumento do prazo mínimo para consultas e cirurgias, introdução de protocolos clínicos obrigatórios e reajustes baseados na planilha das empresas, e não por determinação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), como é hoje.
Desta forma, o consumidor não conseguiria compreender exatamente o que estaria adquirindo, não teria garantia de reajustes de anuidades supervisionados pela ANS e teria que recorrer ao SUS sempre que sua doença exigisse procedimentos mais complexos. Para o médico que viesse a trabalhar nesse modelo, o exercício da profissão se tornaria extremamente vulnerável, já que teria cerceada a autonomia por imposição de "protocolos". Ele se veria na condição de ter limitadas possibilidades de orientação pela exclusão contratual de inúmeros procedimentos.
Na ocasião em que se encerraram os debates no MS, houve forte reação da sociedade, inclusive com uma posição pública da APM, o que fez o Governo Federal recuar temporariamente, pois o objetivo inicial era lançar os planos ainda em 2016. Agora o tema volta à tona, com a iniciativa do Ministério de passar à ANS a missão de formatá-los. As entidades representativas de profissionais de Saúde, bem como os órgãos de defesa do consumidor, devem estar atentos para mais uma vez reagir e contestar.
Outra questão de suma relevância em pauta é o Fator de Qualidade. A ANS introduziu-o como critério de correção para a remuneração de médicos na saúde suplementar. Não somos contra que sejamos estimulados à atualização profissional e a ter recompensa por isso, porém, a forma como a ANS implantou é inaceitável, pois determina 5% acima da IPCA para os médicos que atingirem a situação considerada máxima enquanto aplica um redutor de 15% para aqueles que permanecerem cadastrados apenas como médicos. Em outras palavras, ano a ano, esse profissional teria reajustado seus honorários em somente 85% da inflação, o que é um absurdo.
Independentemente do critério utilizado para separar qualitativamente os bons profissionais, é inaceitável a aplicação de qualquer fator redutor nos reajustes dos médicos. A ANS nunca veio a público explicar os motivos desta injustificável atitude. Lamentamos também que entidades de representação nacional tenham aderido a esta proposta e até colaborado com a ANS na implantação da mesma. Nossos elogios para a FENAM, única que se propôs a levar esta questão à Justiça. A ANS aliás, que sempre se recusou a interferir nas relações contratuais entre médicos e operadoras de planos de saúde, agora decidiu discutir esta questão, interferindo na forma de pagamento na saúde suplementar. E já declara que irá procurar um novo modelo de pagamento que não seja aquele “por serviço prestado”.
Por fim, há ainda na ordem do dia da política brasileira as terceirizações. Por anos, um projeto regulatório ficou parado no Congresso Nacional. Agora, foi votado rapidamente, aprovado e sancionado pelo presidente da República. Não houve discussão mais profunda com a sociedade no sentido de avaliar prós e contras. Sindicatos em geral criticam por entenderem que haverá perda de direitos trabalhistas, redução de honorários e aumento da jornada de trabalho. Empresários elogiam argumentando que teremos redução do desemprego e estímulo à retomada da Economia. Existe controvérsia sobre como ficarão aqueles que atuam junto ao setor público. Muitos médicos trabalham nestas condições e não se discutiu quais impactos sofrerão. Lembro ainda que o Governo propõe aguda reforma na previdência social. Alguns contestam a afirmação de que a mesma é deficitária, enquanto outros apontam enorme rombo. Este assunto precisa de amplo debate junto à sociedade. A verdade é que qualquer reforma terá algum impacto para os médicos, já que vários possuem condição especial em função de exercer trabalho em ambiente insalubre. Temos de discutir a fundo e tirar uma posição madura, consciente.
Florisval Meinão - Presidente da Associação Paulista de Medicina