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22/02/2017 - Epidemias Aedes aegypti: estamos preparados para enfrentá-las?
ESPECIALISTAS SÃO PESSIMISTAS E AFIRMAM QUE A TRANSMISSÃO DOS VÍRUS PELO MOSQUITO SERÁ AINDA MAIS FORTE ESTE ANO
Febre amarela, dengue, chikungunya, zika e febre do mayaro, todas arboviroses causadas pelo mesmo vetor, o Aedes aegypti. Algumas são novas para os brasileiros; outras, mais antigas, estão reaparecendo. Embora haja campanhas do poder público para o enfrentamento do mosquito, especialistas acreditam que as medidas não são suficientes. Para 2017, a previsão é de um cenário alarmante, com a expansão das doenças para regiões ainda não afetadas.
A infectologista e epidemiologista Helena Brígida, integrante do Comitê de Arboviroses da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), prevê um relaxamento das medidas de proteção em razão da crise política atual. “Isso acaba tirando do foco assuntos tão importantes quanto a questão da saúde. Além disso, depois de uma avalanche de informações, principalmente quando ocorrem incidências de doenças novas para nós, como aconteceu com a zika, natural e infelizmente, as pessoas tendem a se descuidarem”, explica.
Em São Paulo, ainda não há epidemias de zika e chikungunya. Isso significa dizer que boa parte da população ainda não foi infectada por esses vírus, diferentemente do que tem ocorrido nas regiões Nordeste e Centro- Oeste. “No lugar em que a população já teve contato, com ou sem doença aparente, essas arboviroses não se repetem. Agora no estado de São Paulo, onde o número de casos não é suficiente para imunizar toda a população, presume-se uma incidência muito grande dessas doenças”, afirma o médico infectologista Caio Rosenthal, que atua no nos hospitais do Servidor Público Estadual e Albert Einstein.
A própria alta densidade populacional do estado contribui para a sustentação do vetor, segundo Helena. “Se há um conglomerado de pessoas em ônibus, estações de metrôs e de trens, em empresas e praças, tem sangue de pessoas, e o Aedes é hematófago. Por isso, São Paulo tem uma facilidade maior de registro de número elevado de infectados por dengue, o que pode ampliar para as demais doenças”, esclarece.
Um saneamento básico adequado em todo o País, como regulamenta a Lei 11.455 de 2007, ainda não deve ser relegado pelos gestores públicos, segundo a infectologista. “As regiões Norte e Nordeste, por exemplo, têm números de casos por conta de infraestrutura deficitária”, aponta.
Dengue
Ainda que especialistas sejam enfáticos ao afirmar que haverá a proliferação de outras doenças transmitidas pelo Aedes, em se tratando do vírus dengue, segundo
Rosenthal, espera-se que a epidemia seja um pouco menor em São Paulo, em razão do número elevado de contato da população nos últimos anos. “Apesar de que você pode pegar dengue até quatro vezes durante sua vida. Mesmo a pessoa que já teve contato com um sorotipo do vírus ainda pode teoricamente contrair dengue mais três vezes”, salienta o infectologista.
A previsão também é esperada pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. “Por motivos conhecidos ou desconhecidos, a infestação do mosquito este ano será muito menor do que no ano passado”, diz o coordenador de Controle de Doenças da Secretaria, Marcos Boulos.
Para o biólogo Alessandro Giangola, coordenador geral das ações de controle do Aedes aegypti da Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa), vinculada à Secretaria Municipal da Saúde, ainda não é possível fazer essa afirmação.
Apesar do contraponto, os representantes das secretarias não descartam o crescimento de chikungunya e zika, tal como afirmam os infectologistas. “A doença para a qual a população não é imune normalmente aumenta”, reitera Boulos. “É importante estarmos preparados para esta realidade”, completa Giangola.
Medidas preventivas
As secretarias estadual e municipal asseveram que o sistema público tem se preparado todos os anos para controlar a população do mosquito. “Fizemos programas em parceria com os municípios para financiar inclusive a contratação de agentes de saúde para trabalhar aos fins de semana. Isso pode ser um dos responsáveis para que tenhamos muito menos Aedes do que tínhamos no ano passado. Além disso, os médicos hoje estão conhecendo mais as doenças, o que torna mais fácil de identificá-las”, informa Boulos.
Já na cidade, segundo a Secretaria Municipal, foi elaborado um planejamento de contingência que, dependendo do nível de transmissão, as medidas são tomadas. “Neste ano, pela primeira vez, o plano prevê situações não só para a dengue, mas também para zika, chikungunya e febre amarela”, destaca Giangola.
No entanto, para o infectologista Caio Rosenthal, a falta de leitos e de médicos para atender a demanda é uma deficiência grave e crônica do sistema público de saúde. “Se estamos projetando a possibilidade de haver mais casos de zika e chikungunya do que no ano passado, ficaremos em uma situação realmente difícil”, alerta.
De acordo com ele, o Ministério da Saúde também prometeu a disponibilização de teste rápido para fazer diagnóstico das arboviroses, o que ainda não está disponível na rede pública, além da falta de equipes profissionais para o manejo clínico. “Se fizermos o diagnóstico rapidamente, você alivia o paciente e pode diminuir a população dentro do hospital. Facilita tanto o trabalho do médico quanto do paciente”, avalia.
Manejo clínico
A Secretaria do Estado da Saúde recomenda observação cautelosa dos casos suspeitos para evitar a evolução das formas graves dos vírus e de risco de vida, principalmente nos casos de dengue. “Assim que há registros de casos ocorridos em determinado local, a análise das ocorrências é puramente clínica, não é necessário o exame laboratorial”, informa Boulos.
O médico deve ter conhecimento técnico necessário para saber distinguir as diferentes manifestações sintomáticas, além de estar familiarizado com a infraestrutura hospitalar para prestar socorro eficiente às vítimas. Em casos de chikungunya, o Ministério da Saúde disponibilizou recentemente em seu portal um novo guia de manejo para orientação médica.
Matéria publicada na Revista da APM - ed 685 - jan/fev 2017