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26/04/2017 - Especialista norte-americano fala sobre avaliação de graduandos em Medicina
O membro emérito do National Board of Medical Examiners (NBME), Donald Melnick, esteve recentemente no Brasil e conversou com a Revista da APM. O médico falou sobre a atuação de sua entidade – que administra um exame de avaliação dos médicos graduandos nos Estados Unidos –, da evolução do ensino da Medicina em seu país e de sua experiência internacional no tema. Confira a seguir:
Qual é o histórico de atuação do NBME e como funciona a sua avaliação hoje? Ela é obrigatória por lei?
DM: Como em São Paulo, em cada estado dos Estados Unidos há um conselho que lida com a prática da Medicina. Foi nesse contexto que se solicitou algo da legislação, seja um exame ou um nível de prática. Desde o começo do século XX, é exigido que se vá a uma escola de Medicina para obter a prática, sendo que as exigências eram administradas por cada estado. Então, em 1915, o NBME foi criado para executar um exame nacional que refletisse todo o território do país. Neste ano em questão, o exame foi usado por alunos que aspiravam projeção nacional. Em 1992, todos os estados adotaram o programa de parceria do NBME e um outro exame que existia, criando o United States Medical Licensing Examination. Assim, hoje, todos que desejam praticar Medicina nos Estados Unidos da América (EUA), em cada jurisdição ou estado, devem fazer os exames que desenvolvemos.
Então não há como trabalhar como médico sem essa licença?
DM: Olha, se você não passar no programa do exame não pode praticar Medicina. Não há como obter uma licença de prática sem passar por esse processo. Oferecemos múltiplas tentativas para que o indivíduo tente de novo, remediando e modificando seu exame, mas não há como praticar Medicina sem passar. Assim, o médico que termina a escola médica e não é aprovado, mesmo depois de várias tentativas, deve encontrar outra ocupação.
Há um método de reavaliação para o médico que já esteja atuando na carreira?
DM: Estamos trabalhando nisso. Agora, a maioria de empregos dos EUA além de exigirem a licença, pedem treinamento em uma área de especialização. Assim, por exemplo, você termina sua escola médica, passa três anos na Clínica Geral e, então, faz um exame com o Conselho Americano para obter uma certificação na sua especialidade médica. Há 24 exames de especialidade no país atualmente. Noventa e cinco por cento dos médicos têm uma especialização ou mais.
Cada uma das nossas organizações oferece uma reavaliação periódica para que as pessoas mantenham sua certificação e tenham autoridade legal para praticar Medicina. É uma prática comum, na qual a maioria dos médicos se envolve. Também vamos verificar com as autoridades legais sobre a possibilidade de aplicar avaliações periódicas, mas o sistema atual exige que quando eu vá renovar minha licença (a cada dois anos), apresente provas de que pratiquei Medicina por um número determinado de horas antes da renovação. Eu espero que a legislação mude, mas é o que temos hoje.
Acha que o exame da NBME propiciou o desenvolvimento da carreira médica e da educação dos EUA?
DM: Essa é uma pergunta complicada. Minha resposta breve é que sim. Mas o processo é muito circular. Os exames que desenvolvemos são feitos por uma equipe de funcionários que não vem necessariamente de uma escola de Medicina. Temos cerca de 500 funcionários, o que inclui membros de todas as escolas médicas dos Estados Unidos, especialistas técnicos, editores, especialistas em tecnologia da informação etc. As pessoas das escolas de Medicina ajudam a definir os conteúdos do exame e as escolas que pretendemos alcançar. O maior benefício para a educação médica é fornecer a cada estudante as informações quanto ao que será cobrado no exame – cada escola pode usar isso como uma ferramenta de auto avaliação.
Antes de trabalhar no Conselho Nacional, eu era professor. Na minha aula, eu queria que meus alunos soubessem os conteúdos do exame nacional e comparava o meu currículo de aulas com isso. Esse é um benefício que as escolas de Medicina têm – e é um marco com qual todas as instituições podem se comparar.
Outro exemplo é uma inovação recente: passamos anos tentando achar uma maneira de cobrar habilidades clínicas de modo confiável. Para fazê-lo, em 2004, criamos um exame de habilidades especiais para além das habilidades típicas exigidas. Quando nós o fizemos, cerca de 2/3 das escolas focavam em ensinar habilidades clínicas. O outro 1/3 não o fazia. Isso levou provavelmente duas décadas. Agora, as escolas de Medicina investiram em mudar o seu currículo. As escolas receberam o exame de 2004 com essa novidade e, em 2005, 99% delas ensinavam e mediam habilidades clínicas. Assim, um dos benefícios do exame nacional é uma abordagem mais democrática. As escolas que se atrasam e não se adaptam, perdem. Então, fornecemos estímulos para que elas acompanhem o exame. Achamos que isso traz benefícios e o processo é bastante cooperativo.
O Brasil está pensando em fazer uma espécie de adaptação dos conteúdos do exame de vocês, com iniciativa do Cremesp. O que pensa dessas experiências ao redor do mundo?
DM: Não encorajamos outros países a usarem nosso exame. Não o fazemos porque acreditamos que existem diferenças de epidemiologia e de cultura. Nosso exame, desenvolvido para os EUA, tem conteúdo usado em todo o mundo, mas alguns que são exclusividade nossa. O que estamos trabalhando no Brasil é no encorajamento da criação de novos exames customizados para as necessidades locais.
Até agora, o trabalho feito no País chegou a ajudar alguns especialistas a usar nossos materiais e métodos. Há muitos países no mundo que passaram por isso. O Canadá está desenvolvendo o seu próprio exame. Singapura tem uma avaliação semelhante. A Nova Zelândia e a Austrália também – e são bem parecidos com o nosso. Estivemos trabalhando com a Ucrânia e países próximos para que emprestassem alguns princípios que usamos em nosso exame nos EUA. Eles tiveram que realizar ajustes, mas estão usando os mesmos princípios. A China está desenvolvendo o seu próprio exame, pelo qual todos os médicos praticantes devem passar.
Então, a questão é ver com o que nos preocupamos por 100 anos: como colaborar com as escolas de Medicina, como admitir para o teste, como aplicar o conteúdo. Essa é nossa preocupação. Especialistas locais desenvolvem o conteúdo para representar as necessidades do país e emprestam algumas das nossas ideias sobre como fazer isso funcionar.