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14/02/2018 - Exame de avaliação dos egressos começa a se expandir
Além de São Paulo, Conselhos de Medicina de Rondônia e de Goiás adotam provas para aferir recém-formados
Há mais de uma década, a discussão sobre como garantir a qualidade de formação do médico está posta pelas entidades de classe e no meio acadêmico. Enquanto algumas faculdades trabalham para manter o bom nível do tripé ensino, pesquisa e extensão, vemos muitos exemplos de instituições sem infraestrutura e/ou corpo docente qualificados. Na esteirado programa Mais Médicos, novas escolas se proliferam e a preocupação com a qualidade do atendimento à população atinge todo o Brasil.
“Chegamos a uma situação catastrófica, com a abertura irresponsável de escolas de Medicina. O Brasil tem hoje 304 faculdades, sem paralelo no mundo. A maior parte não tem condições suficientes para formar um médico adequadamente e as consequências são gravíssimas para a saúde da população”, avalia o presidente da Associação Paulista de Medicina, José Luiz Gomes do Amaral.
Para avaliar os recém-formados, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) estabeleceu, em 2005, um exame que vem apresentando, ano a ano, resultados alarmantes, com reprovação média de 50%. “Entretanto, a obrigação de o aluno ser aprovado como pré-requisito para exercer a profissão só poderia acontecer por meio de uma lei”, explica Renato Azevedo Júnior, ex-presidente do Cremesp e diretor Social da APM.
A posição das lideranças médicas é de defesa da avaliação obrigatória regulamentada pelo Legislativo, que condicionaria a aprovação na prova (ou seja, acertar ao menos 60% do conteúdo cobrado) à obtenção do registro para atuar como médico. “Nesse cenário, o aluno reprovado poderia voltar à faculdade em que se formou e estudar – às custas da escola – mais um ano, para depois tentar novamente. É uma forma de proteger a boa formação médica e, principalmente, a sociedade”, afirma Azevedo.
A prova aplicada é feita em parceria com a Fundação Carlos Chagas e cobra conhecimentos básicos das principais áreas da Medicina: Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Pediatria, Ginecologia, Obstetrícia, Saúde Pública e Epidemiologia, Saúde Mental, Bioética e Ciências Básicas.
As questões são de complexidade e dificuldade média para baixa. A avaliação, nos últimos anos, passou a ser exportada para outras regiões do País. “É fundamental que um dia consigamos expandir o exame para todos os estados. Assim sendo, fica quase impossível que o Congresso Nacional não vote essa obrigatoriedade que exigimos. Até porque temos apoio de outras instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil, que faz o seu próprio exame para a obtenção do registro profissional”, defende o vice-presidente da APM e conselheiro do Cremesp, Roberto Lotfi Júnior.
Goiás
Em dezembro de 2017, os médicos goianos participaram do Primeiro Exame de Egressos do Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás, também de maneira voluntária. A prova aplicada, conforme explicação do presidente da entidade, Leonardo Mariano Reis, foi elaborada por Comissão de Avaliação do Ensino Médico do Conselho.
“Para o Cremego foi ótimo, tivemos muito apoio das faculdades por ter sido uma prova de excelência. O mais importante é criar a cultura da avaliação nos Conselhos para que, quem sabe um dia, a tenhamos em todo o território nacional. Assim, poderemos ter uma lei mandatória que determine a realização do exame”, relata Reis.
De fato, os resultados foram positivos: cerca de 90% dos participantes foram aprovados. A prova teve questões objetivas de áreas essenciais da Medicina, com ênfase em conteúdos considerados imprescindíveis ao exercício profissional. Bem como o Exame do Cremesp, os resultados individuais são confidenciais e as faculdades receberam um relatório de desempenho de seus alunos.
Rondônia
A experiência também chegou a Rondônia. O Cremero já realizou o exame duas vezes, desde 2015. Por um problema de logística, a edição de 2017 não ocorreu. O presidente do Conselho de lá, Andrei Leonardo Freitas de Oliveira, no entanto, afirmou que neste ano a iniciativa irá acontecer normalmente.
A prova aplicada é a mesma do Exame do Cremesp – feita pela Fundação Carlos Chagas –, inclusive no mesmo dia. “Não temos respaldo legislativo para que oexame seja obrigatório, mas mesmo sendo voluntário, tivemos uma ótima adesão. Quem faz a nossa prova tem alguns atrativos para tentar programas de residência médica em São Paulo, bem como para trabalhar em alguns hospitais paulistas”, explica Oliveira.
O presidente do Conselho de Rondônia explicou que a comunidade médica local tem se interessado muito pelo exame, que julga tão importante. “Nenhuma prova avalia 100% o conhecimento. Mas é melhor que exista alguma do que nenhuma. Analisando os resultados, por exemplo, já identificamos a Psiquiatria como um ponto fraco da maioria dos alunos – informação que transmitimos aos coordenadores dos cursos de Medicina. Esse tipo de iniciativa é bom para entendermos as deficiências.”
Experiências Internacionais
Ao redor do mundo, há algumas iniciativas de avaliação de egressos e de educação continuada estabelecidas com sucesso. A mais notória destas é o United States Medical Licensing Examination (USMLE) – avaliação aplicada em três momentos distintos da graduação. O primeiro para avaliar conceitos de ciências básicas, mais para frente outro exame de habilidades e compreensão de ciência clínica e, por fim, um exame para aferir se o formando tem condições de realizar a prática clínica em plenitude. Se não for aprovado, o indivíduo não pode exercer a Medicina no país.
Na Inglaterra, a qualidade da educação médica é garantida pelo número de anos de estudo. Após a formação, os médicos vão a um programa de treinamento rotativo em algumas especialidades básicas. A atuação profissional só pode ocorrer após cumpridas essas duas fases. Depois, ainda é obrigatória a escolha por outra especialidade (mais entre três e seis anos de estudo) e outro ano para conseguir o título de clínico geral (general practitioner) ou especialista (consultant). Em todas essas fases, o profissional segue atuando no sistema público, supervisionado por profissionais mais experientes. O General Medical Council (conselho local) tem autonomia para retirar o endosso de qualquer escola médica que não cumpra com as expectativas.
Já na Alemanha, existe um exame estatal obrigatório, também em três etapas, como o USMLE. O primeiro passo ocorre após os dois primeiros anos, o segundo depois do quinto ano e a avaliação final após a graduação. Ter sido aprovado na prova anterior é sempre pré-requisito para prestar a próxima. O exame para o egresso é oral e prático. Se aprovados, os estudantes obtêm suas licenças médicas e o direito de praticar Medicina.
No Japão, também há um modelo próximo ao dos Estados Unidos, com uma avaliação do estudante ao fim do sexto ano. Depois da graduação, há o exame obrigatório Kokushi, uma versão japonesa do USMLE, com 500 questões de múltipla escolha. Sem a aprovação, não se pode exercer a prática médica no país. E quando aprovado, o egresso ainda vai para um período de treinamento obrigatório de dois anos, em que reveza sua atuação em alguns departamentos.
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Erros Básicos dos Resultados apresentados em 2017
80% não souberam interpretar um exame de radiografia e erraram a conduta terapêutica de paciente idoso
78% não souberam interpretar o tipo de pesquisa científica e a relevância para indicação de novos tratamentos
76% não souberam indicar qual medicação antipsicótica está associada a maior ganho de peso
75% não souberam identificar as principais características e conduta a ser tomada no caso de paciente com deficiência respiratória
71% não acertaram diagnóstico e tratamento para hipoglicemia de recém-nascido, problema comum nos bebês
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Exame do Cremesp
Apesar de voluntário, já está consolidado em São Paulo. São diversas as instituições que exigem que o médico o tenha prestado para ingressar em um programa de residência médica, por exemplo, ou mesmo para ser contratado no serviço público. A seriedade do projeto é reconhecida pelas escolas de Medicina e pelos alunos.
Em diretorias anteriores, o Conselho, inclusive, estabeleceu parceria com o National Board of Medical Examiners (NBME), instituição estadunidense com larga experiência em exame de egressos, para criar um novo mecanismo. O objetivo é aplicar, de maneira complementar ao Exame do Cremesp, avaliações nos 3º e 5º anos da graduação.
A luta das entidades médicas por uma formação de qualidade se mostra necessária quando avaliamos os resultados do Exame do Cremesp. Os dados do último ano constatam que 56,4% dos submetidos não alcançaram a nota mínima (60% de acerto nas 120 questões). Com exceção de 2015 – quando 51,9% dos egressos foram aprovados – a série histórica demonstra que, desde 2011, os aprovados representaram entre 40% e 45% dos participantes apenas.
Matéria publicada na Revista da APM - edição 696 - janeiro/fevereiro 2018