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15/07/2014 - Expedição saúde
Grupo de acadêmicos e residentes leva atendimento e cura de doenças a regiões esquecidas do Brasil
"Os jovens passaram por um choque de realidade transformador tanto na esfera pessoal como na profissional. Assistiram à dificuldade para curar doenças simples por não haver materiais básicos disponíveis e o acesso extremamente complicado para os moradores conseguirem atendimento médico. São experiências que levam para toda a vida”, resume Maris Salete Demuner, professora afiliada da Disciplina de Cirurgia Pediátrica da Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp), sobre a expedição de médicos e acadêmicos da EPM na Amazônia que ela coordenou recentemente.
A paixão pela Medicina e a vontade de exercê-la em regiões cujo acesso à Saúde é escasso ou inexistente foi o que estimulou a participação dos médicos e acadêmicos na Operação Ágata 7, parceria da EPM com a Marinha do Brasil. Entre os dias 4 e 24 de maio, eles prestaram atendimento a populações ribeirinhas da Amazônia. A viagem até Manaus ocorreu em avião das Forças Armadas Brasileiras (FAB) e a próxima expedição ocorrerá em setembro.
"Nossa meta é ampliar o serviço de atendimento médico prestado pela Marinha na região a fim de levar tratamento de qualidade e acesso regular aos serviços de Saúde”, comenta Antonio Carlos Lopes, diretor da Escola Paulista de Medicina. "Trata-se de ação de extrema importância para as comunidades locais, carentes de atuação médica mais enfática no que concerne ao estabelecimento do perfil epidemiológico local e desenvolvimento de pesquisas compromissadas com o bem estar da população”.
Foi a segunda visita de um grupo da EPM à região, porém, dessa vez a quantidade de profissionais foi maior, o que permitiu dividi-los e utilizar dois Navios de Assistência Hospitalar (NAsH): o Oswaldo Cruz, que percorreu quilômetros do Rio Solimões, e o Soares de Meireles, que navegou pelo Rio Negro. Embora as embarcações sejam equipadas para demandas de baixa e média complexidade, capazes de resolver 80% dos casos, o grupo conseguiu realizar 14 cirurgias, entre elas de lipomas e cistos sebáceos. Para isso, adequaram uma sala para atendimento de emergência e realizaram os procedimentos.
No total, foram 1.012 atendimentos, feitos entre 8h e 17h, com uma pequena pausa para o almoço. As patologias diagnosticadas foram variadas, mas com características muito específicas da região. Doenças dermatológicas estavam entre as mais detectadas, entre elas, um caso de pedra preta, causada por um fungo e vista pelos residentes de perto pela primeira vez. Também detectaram que casos de transtornos mentais na região são baixos.
"Há uma troca muito importante nessa experiência. Para nós, da Escola Paulista, existe a possibilidade de vivência de situações nada habituais no nosso dia a dia. Em retribuição ao atendimento que oferecemos, recebemos gratidão das famílias, e isso é de um valor inestimável”, afirma José Carlos Arrojo Junior, residente de Medicina de Família e Comunidade.
INFRAESTRUTURA PRECÁRIA
Os resultados obtidos nas duas viagens receberam avaliações positivas e deverão virar projeto de extensão da EPM, a ser redigido e apresentado em breve. Porém, o objetivo de Maris Demuner é levar o projeto a níveis governamentais, além da intenção de oferecê-lo a outras faculdades. A precariedade da região, a inexistência de atendimento médico, os postos de atendimento sem a mínima estrutura, entre outras questões, conferem à ação um considerável impacto social.
"O projeto não se resume em sair daqui e ir a um local distante oferecer ajuda. Ele adquire uma dimensão muito maior e, confesso, não tinha tido a real noção de sua grandeza. O que fizemos não foi somente reunir um pessoal para atender, mas participamos de um movimento que causa um impacto tremendo e significa muito. Parece simples para nós, mas é grandioso”, declara Maris.
Quando perguntados sobre o que trouxeram na bagagem, além de pequenos objetos da cultura local, os jovens que participaram da Operação Ágata 7 são unânimes em responder "a gratidão dos moradores e a experiência que os diagnósticos acrescentam”. O mesmo ocorre quando perguntados sobre as principais dificuldades, porém, os exemplos vêm em maior número.
"Eles não passam fome, porque moram às margens do rio. Também cultivam alimentos. Mas a pobreza é escancarada. As condições de higiene são ruins. A escolaridade é baixíssima. As limitações que o local impõe também contribuem para a vida difícil das comunidades que, para ir a um médico, precisam viajar horas de barco”, destaca Daniel Rezende, do 6º ano de Medicina.
O acadêmico precisou buscar meios de ser entendido por moradores que não foram alfabetizados ou mesmo com limitações para compreender a maneira de tomar um medicamento. "Precisamos fazer mímica, explicar três, quatro vezes a mesma coisa”, conta.
Dos casos mais emblemáticos, citam o de um senhor de 101 anos que estava com pneumonia e, depois de medicado, ficou curado. Também recordam com carinho de outro morador, entre 50 e 60 anos de idade, que nunca havia passado por um médico. E ainda da cirurgia de hérnia de outra moradora, que convivia com a dor há anos.
Maris Damuner se deparou com pacientes que foram atendidos durante a primeira visita, realizada um ano antes, e que seguiram orientações de cuidados com a higiene e a alimentação. "Reencontrei uma criança que tinha operado calázio e estava bem. Também recebemos a visita de um morador que teve complicações depois de um pós-operatório por ferimento por arma branca no abdômen. Fizemos curativos, demos antibiótico, melhoramos o estado geral dele e neste ano, ele voltou só para nos ver”, relata a professora.
Também participaram da expedição Anderson Pellanda, do 6º ano de Medicina; Marcelo Vilela Machado, R1 de Medicina de Família e Comunidade; Diego da Silva Magatão e a pediatra Adriana Maria Paixão, ambos R1 de Infectologia; Alexandre Machado Greco, do 2º ano de estágio de Dermatologia; Klaus Nunes Ficher, R1 de Clínica Médica; e Ana Alyra Carvalho, R1 de Cirurgia Geral.
Mais Médicos não resolve o problema das populações locais
Por conta da inexistência de uma Carreira de Estado para os médicos, semelhante à do Poder Judiciário, o que faz parte das lutas das entidades médicas há anos, a ausência ou insuficiência de médicos e outros profissionais de Saúde nas periferias dos grandes municípios e em cidades do interior é uma dura realidade enfrentada por essas populações tão carentes.
Segundo a propaganda governamental, foi justamente para tentar levar médicos aos locais de difícil acesso que se criou o programa Mais Médicos. No entanto, não considerou a qualidade de formação duvidosa dos profissionais (já que não se pode atestar a qualificação dos mesmos, pois não passaram por um exame que comprove a capacitação ao exercício da Medicina) e está trazendo outros problemas para a graduação em Medicina e residência médica, sistematicamente denunciados pela Revista da APM.
De acordo com o Ministério da Saúde, no primeiro e segundo ciclos do Programa, o estado do Amazonas recebeu cerca de 280 profissionais do Mais Médicos; no quarto ciclo, foram mais de 90. No entanto, os médicos e acadêmicos da EPM se depararam com uma infinidade de pessoas precisando de atendimento médico e outras que jamais tinham se consultado com um.
Neste caso, além dos problemas relacionados ao Programa, acima citados, como a vinda de profissionais formados no exterior sem a revalidação de diplomas, cabe uma reflexão sobre a efetividade do Mais Médicos, já que, ao que tudo indica, a população mais necessitada continua sem atendimento.
Fotos:Osmar Bustos
Publicado na Revista da APM de julho de 2014 - edição 657
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