O QUE DIZ A MÍDIA

24/08/2021 - Insulina faz cem anos

A descoberta da insulina revolucionou o mundo em 1921. A diabetes já era conhecida há pelo menos 3 mil anos. O nome “diabetes” vem do grego “sifão”, referência à quantidade de urina dos pacientes. O diagnóstico era feito avaliando o excesso de açúcar na urina, e de modo bastante peculiar: pelo sabor! Se a urina tivesse sabor doce, constatava-se a diabetes. Em 1675, a palavra “mellitus”, ou mel, foi adicionada ao nome da doença: diabetes mellitus.

Antes da descoberta da insulina, o tratamento indicado envolvia dietas extremamente restritivas, que muitas vezes colocavam pais de crianças diabéticas no triste dilema de observar seus filhos morrerem da doença ou sofrerem desnutrição.

Ao longo da segunda metade do século XIX, descobriu-se que células do pâncreas produziam uma substância envolvida no controle do açúcar. Em 1918, esta substância ganhou o nome de “insulina”.
Surgiu então a meta de isolar a insulina e utilizá-la para o tratamento da diabetes.

Em 1922, Leonard Thompson, de 14 anos, tornou-se o primeiro diabético a receber uma injeção de insulina.
O medicamento foi aclamado pelo New York Times como uma cura milagrosa, e a empresa farmacêutica Eli Lilly logo se encarregou da produção em massa. Na época, a insulina era extraída do pâncreas de porcos e vacas.

As manchetes daquele tempo mostravam a insulina como um milagre, o medicamento que praticamente ressuscitava mortos-vivos, e certamente uma das grandes descobertas da Humanidade. E se por um lado isso era verdade, por outro, nada se falava sobre os desafios da aplicação, e de se encontrar uma dosagem balanceada.

Não havia ainda injeções com seringas descartáveis, ou as “canetas de insulina”, ou mesmo métodos diagnósticos rápidos e precisos para medir o nível de açúcar no sangue. Assim, se mal utilizada, a insulina podia induzir hipoglicemia severa, e até matar. Além disso, era o primeiro medicamento feito para ser utilizado diretamente pelo paciente, em uso diário, sem acompanhamento médico. O risco dessa automedicação dar errado, e o paciente errar a dose, era alto.

Outra coisa que ninguém previu foi que, ao aumentar a expectativa de vida dos diabéticos, a insulina não era exatamente uma “cura”. Ela na verdade transformava a diabetes, de uma doença fatal, em doença crônica. Claro que já era uma grande vantagem, mas essa conversão ainda era instável e baseada em tentativa e erro.

Pacientes começaram a se ressentir de ver a insulina ser alardeada como cura, e de ter suas dificuldades e sequelas ignoradas, tratadas como “exageros” ou, para usar uma linguagem do nosso século, “mimimi”.

Em paralelo, os testes diagnósticos melhoraram, e a tecnologia de aplicação, também. A dificuldade da produção em escala, envolvendo animais, impulsionou o que talvez seja o maior marco da história da biologia molecular na medicina: a criação de bactérias geneticamente modificadas que produzem insulina idêntica à humana. Agora não é mais necessário extrair insulina de porcos e vacas. Temos verdadeiras fábricas de bactérias construindo a molécula, um processo muito parecido com a fabricação das vacinas de mRNA para Covid-19.

Hoje, temos mais medicamentos para diabetes além da insulina, e o desafio de controlar a diabetes tipo 2, uma doença que acompanha, em geral, condições como obesidade e síndrome metabólica, onde a insulina nem sempre é uma opção.

Mesmo com toda a tecnologia disponível, e sabendo que certamente a insulina é uma das grandes descobertas da Humanidade, viver com diabetes ainda é um desafio para muitos. Na semana passada perdemos a jornalista Ruth Bellinghini para complicações da diabetes. Sem a tecnologia moderna, Ruth certamente teria partido ainda antes. Para quem a conheceu, no entanto, ainda assim, foi cedo demais. Esta coluna é para Ruth e para todos os que convivem com a diabetes.

Fonte: O Globo