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27/03/2019 - Jeitinho Brasileiro
Em julho do último ano, a Revista da APM abordou a situação de jovens brasileiros que, atraídos pelo sonho de cursar Medicina sem passar pelo vestibular ou pagar mensalidades exorbitantes, estão indo formar-se em faculdades localizadas nas fronteiras de países como Bolívia, Argentina e Paraguai. A questão, agora, é o fato de que muitos destes estudantes têm encontrado maneiras de dispensar a obrigatoriedade de revalidação dos diplomas para atuar no Brasil. O principal mecanismo para tanto é a transferência para faculdades daqui ao longo do curso.
“Existe um lobby do estudante vir de um país como Bolívia ou Paraguai, por exemplo, no 5o ano e ingressar em uma faculdade brasileira, pulando a obrigação da revalidação de diploma.
Há anos, antes até de existir o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Governo tentou inibir isso, até fechando algumas vagas em faculdades – o que foi revertido.
Há muitas escolas em São Paulo se prestando a isso. É um passa-moleque no processo de revalidação”, avalia Jorge Carlos Machado Curi, vice-presidente da Associação Paulista de Medicina.
Diante desse cenário, multiplicam-se na internet guias e grupos de estudantes interessados em voltar do exterior ao Brasil nesta modalidade. E na esteira disso, surge um filão de negócios: os cursos preparatórios. Essas empresas buscam os editais de faculdades que abrem vagas para transferências e formulam materiais específicos para que o graduando tente ingressar na nova escola médica em seu país de origem.
Um destes cursinhos também oferece um módulo semestral que prepara os alunos para processos de transferências externas em geral. Com cursos que vão, aproximadamente, de R$ 1.000 a R$ 1.700, há inscrições abertas para volumes preparatórios de escolas como as Faculdades Integradas do Norte de Minas (Funorte), a Estácio de Sá Rio de Janeiro, a Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e a Faculdade Governador Ozanam Coelho (Fagoc).
José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM, lembra que as transferências acontecem desde a década de 1990. “Já naquela época, um amigo levou a neta para prestar vestibular e na fila de inscrição receberam panfletos com os dizeres ‘Venha fazer Medicina no exterior e nós asseguramos a transferência a partir do 2o ano’. Avisamos os Conselhos Federal e Estadual e propusemos um cadastro dos alunos de Medicina ainda no 1o ano, mas isso não foi para frente”, diz.
Este cadastro, conforme explica Amaral, não resolveria o problema, mas permitiria aos Conselhos monitorar os alunos transferidos às faculdades. “Hoje, não é difícil entrar em um curso de Medicina no Brasil – exceto nos de maior tradição e qualidade. A questão é que muitos têm mensalidades de até R$ 15 mil. Assim, esses jovens vão ao exterior onde, com cerca de R$ 600, bancam faculdade, moradia e alimentação”, completa o presidente da APM.
LEGISLAÇÃO
Por mais que a vinda desses alunos possa representar risco à população, hoje a transferência é referendada pela legislação básica sobre o sistema educacional brasileiro, a Lei no 9.394/1996, também conhecida por Lei Darcy Ribeiro. Essa norma é regulamentada por resoluções do Conselho Nacional de Educação.
As leis permitem que qualquer estudante solicite transferência diretamente à instituição que deseja frequentar. São dois casos possíveis. A transferência ex officio, obrigatória, ocorre para servidor estudante ou filho de servidor que tenha sido removido, a trabalho, para local diferente daquele de sua residência. Independe da existência de vagas e pode ocorrer a qualquer tempo.
Já a transferência facultativa, que é a mais comum, serve para pessoas que desejam retornar ao seu País e está condicionada à faculdade. É a instituição que dirá se existem vagas. Normalmente, todas realizam processos seletivos, mas cada uma pode optar pela forma que quiser, além de definir em qual período o aluno poderá ingressar. Não há padronização para a transferência, portanto.
MÁ QUALIDADE NO EXTERIOR
O principal problema das transferências, além de “burlar” o processo de revalidação, é que a qualidade das faculdades de Medicina localizadas nas fronteiras com o Brasil é muito duvidosa. “São escolas que não têm a mínima condição de formar um médico. Há muitas vagas e quase nenhum hospital-escola. Ou seja, muitas cidades de fronteiras são pequenas, sem estrutura hospitalar, tecnológica e de ensino”, explica Roberto Lotfi Júnior, também vice-presidente da Associação Paulista de Medicina.
No Paraguai, atualmente são mais de 8 mil acadêmicos de Medicina em cidades fronteiriças, a maioria composta por brasileiros. Só em Pedro Juan Caballero, que faz divisa com Ponta Porã (MS), há sete faculdades de Medicina. Cada uma tem de 1,1 mil a 1,2 mil alunos matriculados. Em alguns cursos, o investimento diminui à medida que reduz o número de disciplinas. Em 2018, a faculdade mais tradicional da região ofereceu 300 vagas, atraindo de forma majoritária brasileiros.
“São classes com muitos alunos, não há hospitais para a prática, os docentes são despreparados e o acesso é ilimitado. Se o indivíduo fizer a transferência ao final do curso e depois exercer a Medicina sem estar minimamente preparado, isso coloca em risco a saúde da população brasileira”, pondera Lotfi.
Publicado na edição 708 da Revista da APM - março/2019
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