APM NA IMPRENSA
28/04/2020 - Mais de 90% dos médicos na linha de frente contra a Covid-19 não fizeram teste para a doença
O Globo
SÃO PAULO — O acesso a testes para confirmação da Covid-19 não é uma questão apenas para pacientes: 90,5% dos médicos ouvidos em pesquisa da Associação Paulista de Medicina não se submeteram a qualquer exame para detectar o novo coronavírus. O estudo ouviu 2.132 médicos dos sistemas de saúde público e particular de diversas cidades do país entre os dias 9 e 17 de abril.
Chama a atenção ainda que 35% dos médicos entrevistados pertencem ao chamado grupo de risco. Apresentam doenças como hipertensão, insuficiência renal, doenças pulmonares, cardiovasculares, entre outras, que são consideradas agravantes em caso de infecção pelo novo coronavírus.
Na esteira desses dados, ao menos 74,5% dos médicos ouvidos acham que faltarão médicos para o combate ao coronavírus, por conta da contaminação. A falta de testes e a carência de equipamentos de proteção individual (EPIs) para profissionais de saúde na linha de frente contra o coronavírus lideram as deficiências citadas por eles.
Ao menos 66% dos entrevistados relataram faltar testes para confirmar o diagnóstico de pacientes no local onde trabalham. E 50% disseram que faltam máscaras de proteção para os profissionais, um problema citado desde o início da epidemia. Carência de óculos, aventais e luvas também foi indicada no estudo.
— Imaginávamos que parte desses problemas já estivesse solucionada, mas o que a pesquisa mostra é que eles persistem. A falta de equipamentos de proteção individual prejudica o atendimento em vários sentidos. Impede a aproximação ao paciente sem receito e facilita a contaminação do profissional de saúde que, infectado, ainda será um profissional a menos para atender a demanda — diz José Luiz Gomes do Amaral, presidente da Associação Paulista de Medicina.
A falta de testes, completa Amaral, não só dificulta o tratamento de um paciente como impede que medidas adequadas de isolamento sejam tomadas:
— Se o paciente suspeito realmente tiver a doença, ele tem de ser acompanhado. É importante proteger as pessoas com quem ele venha a ter contato. E sem número suficiente de testes não vai ser possível fazer isso.
Os dados ajudam a explicar outra constatação do estudo: 76% dos entrevistados relataram que o clima no ambiente de trabalho é "apreensivo". Outros 9,4% disseram que os colegas estão "deprimidos", "pessimistas", "insatisfeitos" ou "revoltados".
— Quando começamos a pesquisa, no dia 9, havia cerca de 900 mortes pelo novo coronavírus. Quando terminamos o estudo, já eram mais de duas mil mortes. Hoje ultrapassam as quatro mil. É esperado que o clima seja esse — diz o presidente da Associação Paulista de Medicina.
Amaral diz que a capacitação dos profissionais de saúde é fundamental para o combate adequado de uma doença que ainda desafia a comunidade médica. O estudo mostra que apenas 15,5% se disseram capacitados para atender casos de Covid-19 em qualquer fase da doença, inclusive em leitos de terapia intensiva.
- A maioria não recebeu treinamento específico. Deveríamos ter aprendido com epidemias anteriores e ter qualificado os profissionais para desastres dessa natureza. É uma doença nova — diz Amaral. — Esperamos que, na próxima pesquisa, tenhamos uma situação melhor.