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02/05/2017 - Mais Médicos - Programa continua tropeçando
MINISTÉRIO DA TRANSPARÊNCIA MOSTRA QUE PREFEITOS SUBSTITUEM MÉDICOS PRÓPRIOS PELOS DO GOVERNO FEDERAL; POR CONTA DAS CONDIÇÕES PRECÁRIAS DE CONTRATAÇÃO, MINISTÉRIO DA SAÚDE NÃO CONSEGUE AUMENTAR PARTICIPAÇÃO DE BRASILEIROS
Desde 2013, quando foi lançado, o Mais Médicos é alvo de críticas de diversas espécies. Recentemente renovado por mais três anos, o projeto que contrata profissionais – em sua maioria estrangeiros sem revalidação de diploma em regime de bolsistas – para atender na atenção básica sofre, agora, com nova adversidade: as prefeituras estão substituindo os médicos contratados no município pelos do programa do Governo Federal.
É isso que mostra levantamento elaborado pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. Em todo o Brasil, eram 46.983 médicos na saúde primária em 2012. Com 17.898 vagas disponibilizadas para bolsistas no triênio 2012-2015, esperava- se um contingente de cerca de 65 mil profissionais, ou 13,8% de incremento. Na realidade, entretanto, constatou-se que apenas 54.525 médicos estavam atuando ao fim do período analisado. Ou seja, 10 mil a menos do que a previsão.
No estado de São Paulo, o incremento esperado era de 12,9%. Eram 9.248 médicos na atenção básica, que se somariam aos 2.528 profissionais subsidiados pelo Programa Mais Médicos. O que se percebeu em 2015, porém, foi que estavam trabalhando 10.615 profissionais, mais de mil a menos do desejado. Na capital, a queda também ocorreu: mesmo com 281 vagas autorizadas para os bolsistas, a cidade perdeu 181 médicos no total do período.
O Jornal Nacional, transmitido pela TV Globo, reportou recentemente o tema. Eles estiveram em Pederneiras, interior de São Paulo, onde identificaram uma unidade de saúde que recebeu dois profissionais via Mais Médicos e tirou oito do atendimento no local – sete transferidos e um demitido.
O ocorrido é ilegal, de acordo com o artigo 11 da Portaria Interministerial 1.369/2013 – que dispõe sobre a implementação do Mais Médicos para o Brasil –, já que a celebração do termo de adesão ao programa traz as seguintes cláusulas: não substituir os médicos que já componham as equipes de atenção básica pelos participantes do Mais Médicos e manter, durante a execução do projeto, as equipes de atenção básica atualmente constituídas com profissionais médicos não participantes do programa.
Como explicou à TV Globo o diretor de auditoria de políticas sociais Victor Godoy Veiga, a substituição dos médicos gera ganho financeiro para as prefeituras. “Elas passam a receber o pagamento daquele profissional do Mais Médicos – uma bolsa no valor de R$ 10 mil. Com o desligamento de um médico de Saúde da Família, a prefeitura reduz em cerca de R$ 3 mil as despesas”, declarou Veiga.
Em recente visita do ministro da Saúde, Ricardo Barros, à Academia Nacional de Medicina (ANM), para o “Simpósio Reflexões sobre o Sistema Único de Saúde (SUS)” – que também contou com a presença do ex-presidente e atual diretor Cultural adjunto da APM, José Luiz Gomes do Amaral, e dos ex-ministros José Serra e José Gomes Temporão –, foi possível perceber que problemas recorrentes ainda permanecem no programa.
Para Amaral, o programa é – em vários aspectos – um equívoco imenso e que levará dezenas de anos para ser corrigido. Embora exista certo simbolismo em relação aos cubanos, esse é, em sua avaliação, apenas um dos problemas. “O ponto central desse tema é a questão de receber profissionais sem qualquer tipo de avaliação. Isso representou uma afronta aos médicos brasileiros.”
Uma das preocupações apresentadas pelo Ministério da Saúde é a dificuldade de fixação de profissionais brasileiros em algumas localidades. O último concurso do Mais Médicos contou com 8.787 brasileiros com registros nacionais. Dos 1.378 escolhidos, 402 não se apresentaram. Ainda assim, a Pasta se mantém otimista quanto à ampliação da presença dos médicos brasileiros no programa, conforme compromisso assumido pelo ministro Barros. Há a intenção, ainda, de reduzir o número de cubanos de 11 mil para 7 mil.
A pergunta a ser feita é: por que os médicos não se apresentam ou se fixam em determinadas regiões que carecem de atenção básica? Para o diretor da APM, são vários os fatores. O primeiro: a contratação em outro regime que não o CLT, o que já representaria parte da Carreira de Estado para o médico e uma regularização da profissão do ponto de vista trabalhista. Na sequência, a capacidade de resolução de problemas nos locais de trabalho. Segundo ele, alguém que dedicou anos aos estudos quer ver resultados naquilo que faz, ou seja, quer trabalhar em um lugar onde haja condições adequadas.
“Os médicos querem, ainda, estar em uma localidade que possam levar suas famílias. Além disso, o ambiente de trabalho importa muito e eles desejam se desenvolver na carreira. Não querem empregos precários, como bolsistas. E só como quarto fatoro salário entra em cena. No Canadá, por exemplo, o serviço em regiões inóspitas é rotativo, não é necessário que profissionais desloquem suas vidas para cumprir o atendimento nestes locais”, finaliza Amaral.
PROGRAMA NÃO PAGA PROFISSIONAIS BRASILEIROS
De acordo com denúncia do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), cerca de 700 médicos brasileiros contratados no último edital do Programa Mais Médicos estão trabalhando desde fevereiro sem receber nenhum pagamento. Em nota, o Ministério da Saúde justificou o atraso por um erro no preenchimento dos dados cadastrais desses médicos e inconsistências no sistema. “Esses médicos já atuam com vínculo precário de trabalho, sendo pagos por bolsa e sem direitos trabalhistas. O atraso nos pagamentos evidencia a situação porque o médico não tem nenhuma garantia de que vai receber ou que será compensado de alguma forma por esse atraso”, explica o presidente do Simesp, Eder Gatti Fernandes.
Matéria publicada na Revista da APM - edição 687 - abril 2017