APM NA IMPRENSA
28/07/2020 - Metade dos médicos relata pressão para dar remédio sem comprovação científica
Estadão
RIO - Embora pesquisas não apontem benefícios no uso de cloroquina e hidroxicloroquina em pacientes com covid-19, o debate político em torno dos medicamentos – capitaneado, muitas vezes, pelo presidente Jair Bolsonaro – coloca médicos na linha de frente do atendimento sob grande pressão. Segundo pesquisa da Associação Paulista de Medicina, 48,9% de quase 2 mil profissionais entrevistados em todo o País relataram pressões de pacientes ou parentes para prescrever remédios sem comprovação científica. Nas redes sociais, também há relatos de intimidação.
O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clóvis Arns, chegou a ser ameaçado de morte nas redes sociais e foi alvo de notícias falsas após a instituição publicar recomendação contra a cloroquina para a covid-19, no dia 17. “Notícias falsas e informações sensacionalistas ou sem comprovação técnica são inimigos que os médicos enfrentam simultaneamente à covid-19”, diz o estudo da Associação Paulista de Medicina (APM).
“Pediram a morte do presidente da SBI nas redes sociais, minha família ficou apavorada, não queria que eu fosse trabalhar”, contou Arns. “Por outro lado, tivemos várias manifestações de apoio de diversas sociedades médicas e do Senado Federal. Queremos ficar longe dessa briga ideológica, nosso objetivo é discutir cientificamente apenas. Fazemos medicina baseada em evidências.”
Prescrição de fora. Chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Patrícia Rocco diz que muitos pacientes já chegam ao hospital tomando cloroquina prescrita por médicos particulares.
“Fico muito preocupada com três coisas: pessoas estarem determinando medicamentos na base do “eu acho” e “na minha experiência”, pessoas ficarem criticando estudos clínicos e médicos indicando remédios (sem comprovação) nas redes sociais”, destacou Patrícia, integrante da Academia Nacional de Medicina.
Intimidação parte até dos colegas, diz infectologista
Chefe da infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o médico Alexandre Naime Barbosa afirma que por parte de pacientes e familiares ele costuma ter questionamentos. Mas que pressões costumam vir de outros médicos.
“A pressão parte de profissionais que não estão na linha de frente do combate, são professores ou médicos mais velhos, que não atendem covid-19 e defendem a cloroquina nas redes sociais”, conta Barbosa. “Em geral, eles fazem isso por dois motivos: ou por ingenuidade, porque não estudam, não sabem avaliar um artigo científico, ou por má-fé mesmo; há colegas que têm um engajamento político importante nessa linha.”
Ascensão e queda: veja os principais estudos sobre cloroquina e hidroxicloroquina ao longo de 2020:
4 de fevereiro
Pesquisadores do Instituto de Virologia de Wuhan, na China, publicam na Nature um artigo cujo título é "Remdesivir e cloroquina inibem o novo coronavírus in vitro".
20 de março
Pesquisadores franceses, entre eles Didier Raoult, divulgam o estudo com resultados positivos com hidroxicloroquina e azitromicina como tratamento contra a covid-19.
21 de março
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, usa suas redes sociais para pedir o uso de hidroxicloroquina e azitromicina no combate ao coronavírus.
23 de março
OMS critica uso de remédios não testados contra coronavírus e lança o Solidarity Trial, um teste internacional para conseguir evidências mais robustas e de qualidade em relação à cloroquina, hidroxicloroquina, remdesivir (usado no tratamento do ebola), lopinavir/ritonavir (HIV) e o interferon beta-1a (usado com esclerose múltipla).
25 de maio
OMS suspende temporariamente o uso do medicamento em ensaio clínico internacional após um estudo feito com mais de 96 mil pacientes ser publicado na revista científica The Lancet, afirmando que o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina em pacientes com o novo coronavírus, mesmo quando associados a outros antibióticos, aumentava o risco de morte e de arritmia cardíaca.
2 de junho
Revista Lancet emite um 'manifesto de preocupação' sobre o estudo, pois especialistas levantaram 'sérias dúvidas científicas' sobre a metodologia utilizada.
3 de junho
OMS anuncia retomada dos testes com hidroxicloroquina no ensaio clínico Solidarity.
17 de junho
OMS suspende definitivamente os estudos com o cloroquina e hidroxicloroquina, pois os medicamentos não apresentaram benefícios contra a covid-19.