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26/04/2021 - Obra argentina 'O Cidadão Ilustre' é tema do Cine Debate de abril
Na última sexta-feira (23), a Associação Paulista de Medicina (APM) realizou o segundo Cine Debate de 2021 virtual. O filme escolhido foi 'O Cidadão Ilustre', comédia dramática argentina dirigida por Gastón Duprat e Mariano Cohn, que se encontra disponível na Netflix e outros canais.
No início do evento, o coordenador Wimer Bottura Júnior, psiquiatra e psicoterapeuta, apresentou os convidados do debate: Miguel Forlin, crítico de cinema e Osmar Bergamaschi, anestesiologista e cinéfilo.
“O filme versa muito sobre a conduta humana, embora tenhamos um protagonista que nos guia por toda a história, nos apresenta um panorama coletivo de uma comunidade e sociedade pequena da Argentina”, introduz Forlin.
O enredo da trama gira em torno do escritor argentino e vencedor do Prêmio Nobel Daniel Mantovani (Oscar Martínez), radicado há 40 anos na Europa, que volta para sua terra natal, ao povoado onde nasceu, em Salas, na Argentina, que inspirou a maioria de seus livros, para receber o título de Cidadão Ilustre da cidade. Porém, sua visita à cidade desencadeará em uma série de situações complicadas entre ele e a comunidade local.
“Descobrimos no começo da obra que o escritor foi laureado com o prêmio Nobel de literatura e na ocasião do recebimento do prêmio ele faz um discurso que choca a todos, pois esperavam um discurso emotivo de quem obteve o conhecimento máximo possível dentro da sua área. No entanto, ele considera aquilo como quase uma sepultura artística”, explica o crítico de cinema.
“O discurso surpreendente faz com que a carreira dele fique num ponto de indefinição, pois muitos convites são desfeitos e cancelados. Mantovani se torna uma figura não bem-vista por muitos países. Entretanto, dentre alguns convites que recebe, surge o de sua cidade natal, o prefeito deseja recebê-lo como “cidadão ilustre”. A relação dele com a cidade onde nasceu e cresceu sempre foi conflituosa, nutrida do desejo de ir embora, pois considerava a cidadezinha retrógrada para seus planos e desejos”, completa.
Após um grande impasse, quase cinco anos sem escrever nada e cobranças incessantes, o escritor decide retornar à cidade com intuito de encontrar a chama interior que fez com que escrevesse tantos romances anteriormente, obras estas que se passam em Salas e são inspiradas e baseadas em figuras que ele conheceu enquanto vivia na cidade.
“No início o que parecia ser uma viagem de retorno às suas raízes, pessoas e paisagens, acaba se revelando lentamente em uma história muito mais tensa e perigosa do que se aparentava, ele descobre que há muito ressentimento por parte da população”, ressalta Forlin.
Debate
“Na minha visão, quando o protagonista recebeu o prêmio Nobel, tinha um perfil psicológico, era alguém contestador, muito vaidoso, um crítico do sistema e, aparentemente, não tolerava hipocrisia. Algo interessante que vemos nos filmes atuais é que são sempre histórias de superação, pessoas que lutaram a vida inteira e as coisas vão acontecendo, já nesta a abordagem é diferente, existem um choque de cultura e costumes”, conta Bergamaschi.
“Acredito que o principal motivo do escritor ter aceitado voltar para sua cidade natal foi pura vaidade, porque a cidade traria um certo reconhecimento, título de cidadão ilustre e, principalmente, inspiração atualizada para suas obras”, completa.
Neste mix de relações humanas, começa a florescer uma série de sentimentos, desde admiração, vingança, inveja e ciúmes por parte da população, muitos são derivados do ressentimento da figura que conseguiu vencer e sair da cidade e ao retornar volta como um filho, mas internacionalizado, pois já não é um cidadão de Salas, mas sim do mundo.
“Daniel não aceitava a vida que vivia na cidade e passou há muito tempo querendo sair dali, mas, na verdade, sua luta não era para sair da cidade, mas sim da concepção de sociedade que ele tem como hipócrita. Então, quando ele recebe o Nobel, se encontra em conflito, sobre ceder pela vaidade, acomodação e abandono da arte, porque após receber o prêmio fica cinco anos sem escrever, a partir deste momento ele mostra que muito reconhecimento e admiração pode escravizar um homem”, comenta Bottura.
“O que vemos no mundo agora com grande clareza é que muitos cientistas e instituições deixaram de ser criativos para seguirem o que tem que ser seguido ou se acomodam numa certa posição de admiração e conforto, então abandonam sua arte e sua ciência, pois ambas partem da insatisfação”, completa.
A obra torna-se um imenso embate sob vários aspectos, os diretores pouco a pouco constroem um espelho da própria sociedade e das dificuldades existentes em suas peculiaridades. O que chama mais atenção é o reflexo dos dois lados existentes no mundo atual, retratado não só pelo comportamento dos habitantes de Salas mas também do próprio escritor, com sua vaidade e capacidade analítica.
Em junho deste ano, o Cine Debate da APM completará 22 anos com a exibição de mais de 200 filmes e participação de mais de 100 especialistas. O programa celebra ainda os 90 anos de trajetória da Associação Paulista de Medicina.
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