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26/04/2017 - Os limites impostos à Saúde
UM ANO APÓS A EPIDEMIA INICIAL, HOUVE UMA QUEDA CONSIDERÁVEL DE BEBÊS INFECTADOS PELO VÍRUS E DIAGNOSTICADOS COM A SÍNDROME; AGORA, AS FAMÍLIAS AFETADAS PELA DOENÇA ENFRENTAM DIFICULDADES PARA OFERECER O TRATAMENTO ADEQUADO A SUAS CRIANÇAS
Em novembro de 2015, o Ministério da Saúde declarou estado de emergência em saúde pública de importância nacional, em virtude do aumento de casos incomuns de microcefalia no Nordeste. Em seguida, reconheceu a relação entre o aumento da prevalência dos casos de malformações com o Zika vírus. Mais de um ano depois, o número de notificações diminuiu. Entretanto, pesquisadores e médicos alertam para a falta de assistência adequada às crianças nascidas com a alteração congênita.
Desde o início de 2017 até o dia 15 de março, das 2.820 notificações suspeitas, o Ministério da Saúde descartou 299 e confirmou 165 casos relacionados à infecção congênita, em boletim epidemiológico mais recente divulgado pela Secretaria de Vigilância em Saúde. A Região Nordeste ainda apresenta maior prevalência. Dos 1.417 casos em investigação, 60 ocorrências foram confirmadas.
A expressão microcefalia relacionada à Zika passou a ser adotada com frequência pelos meios de comunicação, mas em uma abordagem científica o termo está incorreto, de acordo com estudiosos. “Quando tentamos avaliar as crianças apenas pelo perímetro cefálico, deixamos escapar muitas outras implicações causadas pelo vírus no sistema nervoso central, além das calcificações intercranianas, da lesão auditiva e oftalmológica. Nos casos mais raros, temos um quadro chamado artrogripose, que é uma rigidez severa das articulações. Em suma, é muito mais do que uma simples questão semântica, porque a Síndrome Congênita do Zika como um todo é completamente diferente da microcefalia isolada”, esclarece o professor livre-docente em Genética Médica pela Universidade de São Paulo, Thomaz Gollop.
Há bebês que nascem com a cabeça aparentemente normal, mas na realidade o cérebro é pequeno e está preenchido por um líquido. Em um diagnóstico intrauterino, vocêjá percebe que não é só o tamanho da cabeça. Ou seja, em Zika temos uma microencefalia, na qual o encéfalo vai ser menor, mas a cabeça pode ou não ser”, acrescenta Adriana de Oliveira Melo, responsável pela primeira pesquisa que estabeleceu a relação entre o Zika vírus e os casos iniciais de síndrome congênita na Paraíba, fundadora e pesquisadora do Ipesq.
A médica faz um balanço do surto da doença no País: “O primeiro ano foi bastante caótico, com todos aqueles casos [em Pernambuco, Paraíba, Bahia e outros estados mais afe- Sumaia Villela tados]. Em 2016/2017, já são menos de 10% dos casos confirmados, o que é uma queda muito grande. Este ano, temos acompanhado as grávidas e até agora não há caso novo da doença nem de microencefalia, o último foi em setembro do ano passado”.
Entretanto, a pesquisadora alerta para possível volta do vírus, a exemplo do que ocorre com o H1N1. “É só uma questão de tempo, mas enquanto isso temos de estudar mais a doença, assim como dar mais assistência às crianças que nasceram com o cérebro acometido.” Em geral, os quadros de infecções congênitas são variados de uma criança para outra, que vão dos brandos aos mais severos. “Temos bebês que foram a óbito de tão grave que era o acometimento”, informa Adriana, que completa: “O mais preocupante é a atração do Zika pelas células do tecido nervoso. É por isso que o adulto afetado pela doença tem a Síndrome de Guillain-Barré”, diz.
Do gênero Flavivírus, o Zika é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. As gestantes infectadas passam o vírus para os fetos, assim como por meio das transfusões de sangue intrauterinas. O vírus ataca principalmente o centro de formação de neurônios, prejudicado todo o processo de migração neuronal. “Temos a base onde se formam os neurônios, e eles migram até chegar aos seus locais, por exemplo motores, da fala etc. A infecção por Zika mexe com essa estrutura, o que resulta na má formação do córtex cerebral,” explica a especialista.
Assistência insuficiente
Não há tratamento específico para a síndrome congênita, mas as crianças afetadas devem ser acompanhadas durante os primeiros anos da vida por profissionais terapeutas. No entanto, as famílias têm enfrentado dificuldades, devido à precária assistência pública. “No começo, os órgãos governamentais de Saúde disseram que disponibilizariam toda a área técnica de reabilitação, com fisioterapia, fonoaudiologia e neurologia infantil, mas a única coisa que temos, depois de um ano, é uma saúde pública exageradamente deficiente”, crítica Gollop.
“A sociedade tem uma dívida muito grande com essas mães. Primeiro, não usavam repelentes quando estavam grávidas porque não sabiam da existência do vírus e foram expostas por conta da falta de condições básicas. Segundo, elas estão ajudando pesquisadores de todo o mundo, oferecendo sangue e outros exames de seus filhos para estudos. E o que damos em troca? Nem uma assistência digna”, reitera Adriana.
Segundo a pesquisadora, os bebês que recebem tratamentos intensos e constantes podem ter um desenvolvimento melhor quando comparados aos que não tiveram essa atenção. “Quando fizemos a necrópsia de alguns que vieram a óbito, havia muitas células embrionárias, ou seja, o processo de migração neuronal havia parado, mas a terapia pode preencher os espaços. São hipóteses que vamos provar agora com comparações entre as ressonâncias fetais e atuais das crianças que receberam mais e menos estímulos neste primeiro ano.”
Matéria Publicada na Revista da APM - Edição 687 - abril 2017
Foto: Sumaia Vilela/Agência Brasil