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21/06/2017 - Pedro Galdi e Shin Lai - Afinal, há ou não um rombo na Previdência no Brasil?

PEDRO GALDI e SHIN LAI, chefe de análise e estrategista de investimentos da Upside Investor Research

EMBORA O DÉFICIT OFICIAL SEJA DE R$ 149 BILHÕES EM 2016, O EQUIVALENTE A APROXIMADAMENTE 2% DO PIB, PELAS CONTAS DE OUTRAS ENTIDADES – COMO A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS AUDITORES FISCAIS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (ANFIP) – TERÍAMOS UM SUPERÁVIT DE R$ 11 BILHÕES

Há uma brincadeira comum entre profissionais da área de Contabilidade, na qual o dono de uma empresa chega ao seu contador no final do ano e pergunta: “Qual foi o lucro ou prejuízo da empresa?”, e o contador retruca: “Quanto de lucro ou prejuízo o senhor quer?”. Esta parece ser, em partes, a situação do rombo da Previdência no Brasil. Assim, é possível, de acordo com os interesses de cada lado, dizer que há tanto um déficit, se considerarmos certa contas, como é possível chegar a um superávit, excluindo-se ou somando outras.

Embora o déficit presente seja alvo de discussão, as evidências históricas nos ajudarão a entender como chegamos à situação atual e como poderemos avançar.

Sob uma ótica histórica, a Previdência no Brasil foi criada em 1923. Posteriormente, Getúlio Vargas consolidou diversos institutos de previdência em um único, o Instituto de Aposentadorias e Pensões (IAPS). Somente na década de 1960 há outra mudança, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). E este pode ser considerado o marco zero sobre a análise da previdência atual. Grande parte da literatura menciona que a Previdência era superavitária neste momento.

E como é de se imaginar, um superávit de recursos em contas do Governo poderia, e foi, alvo de interesse de diversos políticos. Os superávits da Previdência passaram a ser usados para o financiamento de diversas obras do chamado Milagre Econômico Brasileiro – dentre as quais destacamos a Ponte Rio-Niterói, a cidade de Brasília, a rodovia Transamazônica e a usina de Angra I.

A grande questão é que a União retirou os recursos da Previdência, porém nunca os devolveu aos seus donos, isto é, os aposentados e pensionistas. Assim, entende-se que estes saques realizados pelos diversos governos da época se constituem na semente dos déficits previdenciários que hoje temos que lidar.

Também houve os saques ‘não oficiais’ que ocorreram na Previdência, isto é, das fraudes e roubos. Quem não se lembra de Jorgina de Freitas? Líder de uma quadrilha descoberta em 1991, ela é considerada uma das maiores fraudadoras da nossa Previdência, cujos desvios chegam a R$ 1,2 bilhão, dos quais estima- se que apenas 10% tenham sido recuperados até o momento.

Aos rombos anteriores, acrescente as empresas que estão na dívida ativa do Governo, cujas estimativas apontam R$ 426 bilhões, três vezes o déficit de 2016. A lista é bem ampla e inclui, além de empresas privadas, empresas públicas, governos estaduais e prefeituras. Algumas possuem débitos na Previdência porque deixaram de existir, como Varig, Vasp e a extinta TV Manchete. Porém, também há empresas em plena atividade consideradas devedoras previdenciárias, como a JBS, dona da marca Friboi.

A partir da Constituição Federal de 1988, a Previdência Social passou a ser parte da Seguridade Social e, assim, suas receitas começaram a financiar não somente a Previdência, mas outras áreas da Seguridade Social, como Saúde e Assistência Social.

Na década de 1990, surgiu a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que é um mecanismo previsto na Constituição autorizando que as contribuições feitas para a Seguridade Social sejam redirecionadas para reequilibrar outro déficit, no caso o Fiscal, que surge a partir de gastos maiores que a arrecadação de impostos. O Governo também pode usar este recurso da Desvinculação para pagamento de juros da dívida. Em resumo, as ineficiências da União fazem com que ela precise cada vez mais de recursos. Entendemos que a desvinculação é um erro que tenta consertar outro erro. Em outras palavras, é um déficit fiscal que tenta ser fechado com um déficit previdenciário. Além dos saques governamentais nunca repostos, das fraudes, das dívidas e da desvinculação, há um fator demográfico em curso, que indica que a população brasileira está envelhecendo rapidamente. É o que chamamos de fator futuro e atuarial. Para se ter uma ideia, em 2010 tínhamos 10% da população com mais de 60 anos. Em 2035, serão 20%. Em contraste, os EUA fizeram uma transição suave, indo de 10% da população com mais de 60 anos em 1940 para 20% em 2015, um intervalo de 75 anos, contra 25 anos do Brasil. O envelhecimento rápido no Brasil, entretanto, ainda será mais um dos problemas futuros da Previdência, mas que não explica grande parte do déficit atual.


APOSENTADORIA ESPECIAL

Até o advento da Lei 9.032/1995, atividades especiais eram caracterizadas por enquadramento. O médico, de qualquer especialidade, era um dos profissionais enquadrados. Dessa maneira, após 25 anos de tempo de contribuição, ele poderia requerer aposentadoria especial, concedida ao trabalhador que exerce sua atividade exposto a agentes nocivos à saúde. Nos últimos 22 anos, depois dessa legislação, os profissionais passaram a necessitar de documentos, perfil profissiográfico, relatórios de convênios e prontuários assinados por pacientes ou hospitais provando a efetiva exposição. A Reforma da Previdência – PEC 287/16, que se encontra em uma Comissão especial na Câmara dos Deputados – pretende extinguir as aposentadorias especiais para estes servidores sujeitos à atividade de risco. O texto da proposta afirma que a flexibilização das regras gerou uma situação de desigualdade entre trabalhadores, além da diminuição de receitas pelo menor período contributivo e pelo aumento das despesas com a antecipação do benefício. Desta maneira, os médicos que de fato estejam expostos a agentes nocivos perderiam a possibilidade de requerer a aposentadoria em regime especial. Entretanto, o texto mantém o direito à conversão do tempo exercido em condições especiais a quem já atua dessa maneira, observando as regras até então vigentes.

Confira as matérias a seguir:

Alan Ghani - Um sacrifício agora por um pouco mais de tranquilidade no futuro - Infelizmente, muitas pessoas são contra sem ao menos entender por que a mudança do sistema é vital para o país a médio e longo prazo.

Carlos Alberto Vieira de Gouveia - O início do fim - Sob a pálida alegação de um pseudodéficit, o governo traz á população meias verdades para dar um contexto ao seu ideário reformista.

Especial publicado na Revista da APM - edição 689 - junho 2017