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29/10/2017 - Por que a leishmaniose avança no sul do Brasil e o que os cães têm a ver com isso

Porto Alegre e Florianópolis registraram casos de leishmaniose visceral humana pela primeira vez na história. Por trás do avanço da doença, cuja prevenção pode envolver a eutanásia de cães, estão questões de vulnerabilidade social, migração, mudanças climáticas e até de ocupação irregular de áreas de mata.

Caracterizada por sintomas pouco específicos, como febre de longa duração e perda de peso, a leishmaniose visceral nem era considerada nos protocolos de saúde do sul do Brasil, tanto que os primeiros casos em Porto Alegre começaram a ser tratados como suspeitos de leucemia.

A doença é causada por protozoários do gênero Leishmania, transmitidos por mosquitos. Em estágio mais avançado, a doença causa inchaço do fígado e do baço, comprometendo o correto funcionamento do sistema hematológico, e pode atingir também a medula óssea.

Se não tratada, a leishmaniose pode levar à morte em 90% dos casos, segundo o Ministério da Saúde.

A primeira morte na capital gaúcha foi registrada em setembro de 2016. Nos meses seguintes, foram detectados quatro novos casos em Porto Alegre. Três pessoas morreram. Em agosto passado, Florianópolis registrou a primeira contaminação humana. Atualmente, dois pacientes são monitorados na capital catarinense.

O que chama atenção é que não foi identificado na região o vetor tradicional de transmissão presente nas demais áreas urbanas do país, o mosquito-palha (Lutzomyia longipalpis). Por isso, os cientistas acreditam que o inseto responsável pela transmissão da doença no sul é de hábitos silvestres, presente em regiões de mata.

Uma pesquisa do Ministério da Saúde em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tenta identificar exatamente quais espécies de mosquitos estão envolvidas na transmissão da doença em Florianópolis.

"A espécie que atua como vetor na região sul é de baixa resistência em áreas urbanas, por isso acreditamos que há um potencial menor de transmissão", diz o coordenador substituto de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Francisco de Lima Júnior.

Segundo Mariana Teixeira, doutora em Ciências Veterinárias com ênfase em Parasitologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a expansão desordenada das cidades, assim como mudanças climáticas também podem estar relacionadas ao aparecimento da doença nas regiões metropolitanas gaúcha e catarinense.

"O vetor silvestre da leishmaniose se adapta à zona urbana à medida que as cidades avançam para a mata. Além disso, uma das proteções que a região sul tinha contra a expansão do mosquito era o inverno, e ultimamente as estações do ano já não são mais tão bem definidas", explica.

Intermediários

Para os pesquisadores, a transmissão do protozoário pelo mosquito silvestre, ainda menos adaptado às áreas urbanas, explicaria a expansão lenta da leishmaniose para humanos na região.

Mas casos em animais domésticos já ocorrem desde 2008 - os primeiros foram registrados em São Borja, na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina. Por isso, quem tem cães em casa está sendo orientado a examiná-los para detectar protozoário leishmania infantum e, em caso positivo após dois testes, a eutanásia é recomendada.

A orientação segue protocolos do Ministério da Saúde e da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), mas levanta polêmica.

Em Porto Alegre, uma decisão judicial obrigou a prefeitura a suspender a eutanásia de 12 cães, após protestos de ativistas.

Pela convivência no ambiente doméstico, os cães são vistos como intermediários importantes da transmissão da leishmaniose visceral para humanos: o mosquito pica um animal contaminado e passa adiante o protozoário causador da doença ao picar outro animal ou uma pessoa.

"O fluxo migratório urbano favorece a dispersão geográfica da doença, pois as pessoas transportam seus cães de áreas endêmicas para outras áreas, muitas vezes sem saber que o animal está contaminado", aponta Lima Júnior.

Perda de peso, aparecimento de feridas ou descamações de pele, queda anormal de pelos, inchaço das pernas e sangramento do nariz são efeitos da leishmaniose visceral em cachorros. No entanto, a doença pode ser assintomática em muitos casos.

Mesmo que o cão não apresente os sintomas típicos da leishmaniose, ele pode ser um intermediário da transmissão apenas pela presença do protozoário no organismo.

Por: BBC