O QUE DIZ A MÍDIA
01/11/2019 - Sarampo gera amnésia imunológica e abre portas para outras infecções
Folha de São Paulo
SÃO PAULO - Dois estudos publicados nesta quinta (31) mostram que a infecção por sarampo provoca uma espécie de amnésia imunológica, que pode persistir por meses ou anos nas pessoas afetadas pelo vírus.
Dessa forma, deixar de se vacinar contra o sarampo pode não só aumentar o risco para essa doença como abalar a proteção individual e a coletiva (a chamada imunidade de rebanho) para outras doenças contagiosas, como gripe e herpes.
Já se sabia que o vírus do sarampo atacava células do sistema imunológico, como macrófagos, células B e células T, mas os cientistas ainda não entendiam exatamente quão devastador poderia ser essa ataque.
O QUE É A DOENÇA
O sarampo é causado por um vírus que é facilmente disseminado pelo ar por meio de gotículas ejetadas durante a tosse de um indivíduo contaminado. Uma das características da doença são as manchas avermelhadas pelo corpo
A INFECÇÃO
O vírus do sarampo, ao ser inalado, vai para os pulmões, onde infecta células de defesa conhecidas como macrófagos. Essas células infectadas vão para os linfonodos, estruturas do sistema imunológico onde o vírus passam a infectar linfócitos T e B, também componentes do sistema imunológico, quem espalham as partículas virais
ATAQUE AOS ÓRGÃOS
Após serem liberadas no sangue, as partículas virais podem parar em órgãos como baço, fígado, timo, pele e pulmões. A infecção no pulmão provoca tosse, forçando a liberação de mais vírus para o ambiente
PREJUÍZO PARA A IMUNIDADE
Como o vírus infecta células de defesa, o organismo perde capacidade de responder a infecções provocadas por bactérias e outros vírus, que podem até mesmo matar
NOVAS PESQUISAS
Estudos mostram que a infecção pelo sarampo é capaz de prejudicar a resposta do organismo a outros agentes infecciosos por meses ou mesmo anos. Essa espécie de amnésia imunológica faz com que o organismo "se esqueça" de como combater o vírus da gripe, por exemplo, com a redução da produção de anticorpos. Em voluntários avaliados, meses depois, a resposta não retornou ao valor de base
PREVENÇÃO
A vacina é a melhor maneira de evitar a doença. A injeção é composta de vírus vivos atenuaos e não tem efeito negativo sobre o sistema imunológico.
Os trabalhos publicados nas revistas científicas Science e Science Immunologu, foram conduzidos por pesquisadores de Holanda, EUA, Reino Unidos, Finlândia e Alemanha.
Em um dos estudos, os cientistas usaram amostras de sangue coletadas em 2013 de crianças e adolescentes de escolas protestantes ortodoxas na Holanda que não se vacinaram. Após uma epidemia que afetou o país entre maio daquele ano e março de 2014 e atingiu 2.700 pessoas, novas amostras foram coletadas entre os 77 jovens que ficaram doentes.
Com uma técnica batizada de VirScan, capaz de identificar dezenas de tipos de virais com os quais o organismo teve contato (ou seja, capaz de aferir quais tipos de anticorpos foram produzidos), o repertório imunológico dos infectados por sarampo ciu 11% e 73%, de acordo com o trabalho da Science.
Já a segunda pesquisa mostrou, a partir de um experimento com furões que já haviam sido vacinados contra a gripe, que uma infecção pelo influenza posterior a uma por sarampo gera sintomas intensos, como se os animais simplesmente não tivessem sido vacinado. O trabalho saiu na revista Science Immunology.
Os cientistas do trabalho da Science também fizeram testes em macacos-resos (Macaca mulatta). Cinco meses após a infecçõa por sarampo, ainda havia prejuízo em 40% a 60% da memória imunológica contra patógenos nos bichos.
Em outras palavras, quem pega sarampo corre sério risco de não conseguir reagir rapidamente a diversos vírus e bactérias contra os quasi já havia anticorpos no organismo. Reconstruir esse arsenal imunológico demora e só acontece após novos contatos com agentes infecciosos. O problema é que um desses encontros pode ser fatal.
"Nós encontramos uma forte evidência de que o vírus do sarampo na verdade destrói o sistema imunológico", disse, em comunicado, Stephen Elledge, pesquisador do Instituto Médico Howard Hughes e da Universidade Harvard e um dos autores do estudo da Science.
A vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) é feita a partir de vírus atenuados. A imunização, felizmente, não provoca prejuízo à imunidade como faz o patógenos selvagem. Ao contrário, calcula-se que entre 2010 e 2017 o uso da vacina tenha prevenido mais de 21 milhões de mortes.
Cerca de 100 mil pessoas morrem anualmente no mundo por causa do sarampo. O Brasil tem sofrido com o surgimento de novos casos da doença. De acordo com o último balanço, são quase 7.000 casos e 13 mortes só neste último surto, que eclodiu em junho deste ano. Os registros estão concentrados no estado de São Paulo.
"Esse dois estudos reforçam muito a importância da vacinação e das campanhas, que podem reduzir muito a mortalidade infantil não só decorrente do sarampo mas dos efeitos maléficos da imunossupressão", diz o virologista da USP, Edison Luiz Durigon, que não participou dos estudos.
"O vírus é muito mais deletério do que nós imaginávamos, o que significa que a vacina é nessa mesma medida muito mais valiosa", diz Elledge.