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18/04/2017 - Saúde sofre em meio à crise econômica
PREFEITOS E SECRETÁRIOS DE DIFERENTES CIDADES TÊM DE LIDAR COM FINANCIAMENTO INSUFICIENTE, DIFICULDADES NA CONTRATAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS E JUDICIALIZAÇÃO
O Brasil possui 5.570 municípios, cada qual com suas peculiaridades – alguns com 800 habitantes e outros com 12 milhões – e distintas realidades demográficas, geográficas, epidemiológicas e socioeconômicas. Assim, é difícil equalizar os fatores para que se ache uma receita de administração municipal da Saúde. Cabe a esta esfera o planejamento, a orçamentação, o financiamento proporcional, a avaliação e a execução das ações e serviços em âmbito local, além da articulação com municípios próximos, com o ente estadual e com o federal para a adoção de mecanismos regionais de gestão.
Segundo Mauro Guimarães Junqueira, presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), a maioria dos municípios brasileiros são de pequeno porte e não conseguem – por questão de disponibilidade de recursos financeiros, tecnológicos e humanos – entregar toda a complexidade de serviços necessária ao atendimento integral à população. “Por isso, a Constituição Federal preconiza que o Sistema Único de Saúde (SUS) organize- se em uma rede regionalizada e hierarquizada, visto que o cuidado pleno só se realizará em uma rede de serviços que certamente não será completa nos limites de uma única cidade.”
Esses obstáculos fazem com que a administração seja difícil. Ainda conforme Junqueira, na administração municipal os secretários são pressionados por prazos cotidianos de sua gestão, como prestação de contas, alimentação de bancos de dados e prestação de serviços, dentre outros. Ele acredita, porém, que o grande desafio é conseguir manter os serviços ofertados, visto que os municípios se encontram em grave crise financeira, constatando-se queda nas receitas, sobretudo no Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Isso obriga uma política de contenção dentro do que preceitua a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Outro inconveniente para prefeitos e secretários refere-se ao provimento de profissionais de saúde capacitados e comprometidos com a saúde pública. Para Stênio José Correia Miranda, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems/SP), o modelo de formação acadêmica ainda segue direcionado por uma realidade que não existe mais: “é preciso formar profissionais (não apenas médicos) qualificados para o atendimento no Programa de Saúde da Família,no atendimento domiciliar, na Urgência e Emergência e na Saúde Mental, de acordo com os princípios científicos atuais e pelo respeito à dignidade das pessoas”.
Ele considera que a judicialização irracional da saúde também está prejudicando a administração local. “É claro que, sendo a saúde um direito constitucional regulamentado, todo cidadão tem a prerrogativa de acionar mecanismos judiciaisquando considerar seu direito desrespeitado.
É necessário, no entanto, que as intervenções do Judiciário na gestão das políticas públicas de Saúde respeitem princípios elementares como o do planejamento e da orçamentação e a prerrogativa do direito coletivo sobre o individual,
de modo a preservar o equilíbrio entre os dois pratos da balança”, afirma Miranda.
Crise econômica
Com o momento financeiro delicado do Brasil, muito se discute sobre a manutenção do financiamento do SUS – que já é considerado insuficiente – e essa preocupação é outra realidade com aqual os prefeitos têm de lidar. O presidente do Conasems atenta, por exemplo, para a Emenda Constitucional 95/2016, que alterou a metodologia de cálculo da aplicação da União em ações e serviços de saúde, provocando congelamento dos recursos federais pelos próximos 20 anos. “Isso acarretará em desafios ainda maiores aos municípios no que tange à manutenção das garantias constitucionais e da própria gestão do SUS”, avalia.
O presidente do Cosems/SP considera que projetos que reduzem o financiamento e o custeio de políticas públicas de saúde deixam em risco a continuidade de um sistema pública gratuito, de acesso universal e que atue de modo eficiente em dimensões que são próprias da gestão pública – como o programa de imunizações, de controle de doenças endêmicas, os programas nacionais de transplante de órgãos, de suprimento de sangue e derivados etc. “Está em jogo a maior política pública do Brasil redemocratizado e uma das mais importantes políticas públicas do mundo, reconhecida e elogiada por especialistas”, lamenta. Para Miranda, já há uma carência absoluta de recursos para as cidades administrarem a Saúde. Segundo ele, a fração correspondente aos recursos federais sofre progressiva redução proporcional em relação às frações estaduais e municipais. Há 15 anos, a fração federal no financiamento era cerca de 67%, cabendo aos municípios cerca de 15% e aos estados 18%. Hoje, as proporções são de 48% para o ente federal, 30% aos municípios e 22% aos estados. “Além disso, o investimento per capita em Saúde é muito inferior ao de outros países que adotam sistemas semelhantes ao SUS”, argumenta.
Ainda sobre a atenção básica, o presidente do Cosems/SP acredita que a estratégia de Saúde da Família foi e é benéfica para a construção de um sistema robusto. “Associada a outras formas de organização da Atenção Básica, a estratégia é responsável por significativos avanços em indicadores de saúde coletiva, como a redução da mortalidade infantil, o controle de doenças endêmicas, a implantação de programas de saúde da mulher e da criança e pelo diagnóstico, tratamento e controle de doenças crônicas de grande incidência. É necessário entender, no entanto, que a ESF não resolverá todos os problemas do SUS. Ela precisa de apoio incondicional da gestão e de profissionais capacitados para o modelo, além do reconhecimento e corresponsabilidade da comunidade”, finaliza.
Matéria Publicada na Revista da APM - edição 686 - março 2017