ARTIGO

05/03/2020 - Sexualidade para idosos

Recebi da Revista da APM o convite para escrever sobre sexualidade para idosos, e confesso que a sensação que tive foi de, pela primeira vez, me chocar com a palavra IDOSOS.

Já escrevi vários artigos sobre sexualidade direcionados para adolescentes, puérperas, e romanticamente para a terceira idade, para a melhor idade e mesmo para a feliz...idade. Mas hoje me vejo em frente à tela do meu notebook escrevendo sobre mim... um deles.

A palavra idoso, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é assim definida: “Idoso é todo indivíduo com 60 anos ou mais. Todavia, para efeito de formulação de políticas públicas, esse limite mínimo pode variar segundo as condições de cada País”. E conclui: “Os idosos tendem a apresentar capacidades regenerativas decrescentes, o que pode levar, por exemplo, à fragilidade, um processo de crescente vulnerabilidade, predisposição ao declínio funcional e, no estágio mais avançado, à morte. Ademais, mudanças físicas ou emocionais também podem comprometer a qualidade de vida dessas pessoas. Além dos sinais mais visíveis do envelhecimento (rugas e manchas na pele, mudança da cor do cabelo para cinza ou branco ou, em alguns casos, alopecia), idosos tendem à diminuição da capacidade visual e auditiva, diminuição dos reflexos, perda de habilidades e funções neurológicas, como raciocínio e memória diminuídas. Ademais, podem desenvolver incontinência urinária e incontinência fecal, além de doenças como Alzheimer, demência e Parkinson”.

Bem, após essa clara definição, reconsidero. Quem seria capaz de, com todas essas manifestações, ainda pensar em SEXO! E mais surpreendentemente ainda...FAZER sexo!

A mesma OMS, em seus domínios da definição de qualidade de vida, confirma que quem pensa em experiências sexuais vive mais e melhor. Mas hoje, nesse universo virtual e de mídias sexuais – opps... sociais! - quem realmente usufrui da sua vida sexual após os 60 anos?

Recomendo, para quem estranhou essa pergunta, que assista ao filme “Um divã para dois”, com Meryl Streep, Tommy Lee Jones e Steve Carell, de 2012. O enredo analisa Kay e Arnold, que estão casados há 30 anos. Para sair da rotina do casamento, decidem fazer uma semana de terapia intensiva de casais com um especialista no assunto. Enquanto tentam reacender a paixão que os uniu, os dois redescobrem um ao outro, inclusive sexualmente. É divertido e correto, e pode ensinar mais do que mil estudos científicos. Recomendo... e outra vez me vi ali.

Na Revista Kairos de Gerontologia, de 2015, o autores ROZENDO, A.da S. e ALVES, J.M., no artigo “Sexualidade na terceira idade: tabus e realidade”, vão bem mais a fundo na questão. Por isso, gostaria de usar a experiência deles.

A sexualidade é uma característica inerente a todos os indivíduos, de qualquer faixa etária, e singular a cada pessoa. Pode também ser compreendida como o encontro de sentimentos simbólicos e físicos como respeito, aceitação e prazer. Ela é construída ao longo do tempo, sendo influenciada pela história, sociedade, cultura, aspectos individuais e psíquicos de cada indivíduo.

A velhice ainda hoje é vista como sinônimo de incapacidade, tanto física como mental, resultando na concepção de que os idosos são pessoas assexuadas. A sociedade entende que a fase de vivenciar a sexualidade pertence à idade dos mais jovens, contribuindo assim para a construção de preconceitos e mitos relacionados ao tema.

Com isso, os idosos assumem uma atitude pessimista em relação à sua sexualidade, inibindo sua expressão e contribuindo para que o assunto não seja discutido, uma vez que é visto como um grande tabu em nossa cultura.

Apesar das limitações que podem ocorrer na terceira idade, isso não impede que estes indivíduos estejam satisfeitos com sua sexualidade. As dificuldades encontradas geralmente estão associadas à falta de informação e, principalmente, à ideia de que a sexualidade esteja restrita aos órgãos genitais.

Como ginecologista, devo ressaltar a importância de orientar as mulheres que vivenciam a sua sexualidade com prazer; que muito dessa espontaneidade sexual depende das condições do trofismo vaginal e da manutenção da musculatura do assoalho pélvico - que podem ser protegidos atualmente pela terapia hormonal estrogênica, tanto local quanto sistêmica, e pelo uso de hidratantes vaginais recentemente colocados no mercado. Muito importante também o exercício diário da sua sensualidade e autoestima.

É importante ressaltar que as carícias e o toque também devem ser vistos como a expressão da sexualidade, sendo que o beijo, o carinho e a fala podem representar a vivência da sexualidade nesta faixa etária. E é provável que essa troca do sexo genital pelo complemento afetivo seja realmente justa, principalmente nos casais que evoluíram juntos.

Sabendo que a vivência da sexualidade entre os idosos faz parte da saúde e do bem-estar, é necessário que se repense o julgamento e a vigilância mantidos pela sociedade, fazendo com que os mais velhos se sintam inibidos de expressar com naturalidade sua identidade sexual.

Portanto, se faz necessária a mudança no olhar que a sociedade tem sobre o assunto, permitindo que os idosos se sintam livres para vivenciar sua sexualidade, sem mitos, preconceitos e tabus.

Mantenha a saúde em dia, proteja suas memórias sexuais e claro, faça exercícios, orgulhe-se do seu equipamento sexual e deixe rolar na vida sua cumplicidade construída ao longo dos anos, pois em algum momento nós podemos ter pensado “E daí? Parecia o fim do mundo, mas ainda estamos aqui!”.

Veja o filme, reveja o teu filme e continue aproveitando. Afinal, o envelhecimento é inexorável, e o truque é não ficar velho! E acredite... haverá tempo para “umazinha”...

PS: Quem escreve tem 68 anos e, felizmente, ainda está aqui.

Eliano Pellini é chefe do Departamento de Sexualidade da Faculdade de Medicina da Fundação ABC

*Artigo publicado na Edição 717 da Revista da APM - jan/fev 2020