Segundo o DataSUS, foram registradas 831 mortes por leucemia em crianças e adolescentes no Brasil em 2017, dado mais recente.
A descoberta da doença deixou a mãe consternada. Ela conhecia pouco sobre leucemia e diz que, a princípio, chegou a pensar que pudesse ser uma sentença de morte para a filha.
A leucemia da jovem foi descoberta em estágio avançado. Ela estava anêmica e frágil. A adolescente soube da doença quando a mãe retornou da consulta. "A princípio, a minha ficha não caiu. Só pensei em procurar o tratamento adequado", conta Marina Aguiar.
No mesmo dia do diagnóstico, ela foi internada em uma unidade de saúde pública de Goiânia, cidade onde nasceu e morava na época. O plano de saúde dela não cobria quimioterapia ou qualquer tratamento contra o câncer.
As dificuldades com a quimioterapia
A jovem iniciou os procedimentos de quimioterapia logo após ser internada. Entre agosto de 2006 e abril de 2007, ela viveu entre o hospital e sua casa. "A minha rotina mensal era passar sete dias fazendo quimioterapia, três dias em casa e logo voltar para o hospital para tomar antibiótico, para tratar diversas infecções que contraía por causa da baixa imunidade", diz Aguiar.
Nos primeiros dois meses de tratamento, os médicos notaram que os resultados eram pouco satisfatórios. Por isso, orientaram que Aguiar deveria passar por um transplante de medula óssea. "Meus pais e meu irmão fizeram exames para ver se poderiam me ajudar, mas não eram compatíveis", diz a médica.
Os parentes iniciaram uma campanha em Goiânia em busca de doadores. A iniciativa mobilizou diversos moradores, mas nenhuma pessoa era compatível.
A jovem foi inscrita no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), mas lá tampouco havia pessoas compatíveis. Só lhe restava esperar por tempo indeterminado até encontrar um doador.
Oito meses se passaram desde o início do tratamento. As quimioterapias foram finalizadas com resultados insatisfatórios, pois as células cancerosas continuavam na medula óssea da jovem.
"Recebi alta hospitalar sem nenhuma expectativa de cura. O médico que me acompanhava me disse que eu poderia fazer um tratamento mais simples, que hoje sei que não me curaria, era uma medida paliativa, só para me dar um pouco mais de tempo de vida."
Uma tentativa de salvar a filha
Logo que souberam que o tratamento não teve bons resultados, os pais se desesperaram. Diante da ausência de pessoas compatíveis, decidiram seguir o conselho de um médico conhecido da família e gerar um novo filho.
Keila e o marido, o empresário Fernando Augusto Aguiar, recorreram à fertilização in vitro. Era o único método viável, pois a mãe, na época com 39 anos, tinha feito laqueadura depois do nascimento do filho caçula, 12 anos antes. "Quando descobri que ter mais um filho era um modo de tentar salvar a Marina, não pensei duas vezes", diz a mãe.
O primeiro procedimento não deu certo. "Eu precisava de repouso, mas como passava o dia inteiro com a Marina no hospital, enquanto o meu marido cuidava do nosso filho caçula, acabei não conseguindo seguir as orientações médicas", diz a educadora física.
Na segunda fertilização, a mãe passou mais tempo em repouso e engravidou de gêmeos. "Foi uma alegria imensa, porque ali pensei que poderia salvar a minha filha", diz. A expectativa era tentar fazer o transplante por meio da coleta de sangue do cordão umbilical de um dos recém-nascidos.
Os planos iniciais não deram certo, porque os bebês nasceram prematuros, em novembro de 2007, com pouco mais de seis meses de gestação. "O parto deles foi muito complicado. Como nasceram muito antes do previsto, não havia sangue suficiente para um possível transplante", diz Aguiar. Os recém-nascidos passaram 40 dias na UTI neonatal e receberam alta hospitalar.
"Fiquei arrasada, porque o nosso maior objetivo era que o sangue de um dos cordões umbilicais pudesse ajudar a minha filha", diz a mãe.
A expectativa seguinte era que um dos recém-nascidos, caso fosse compatível, doasse medula óssea à irmã. Quando as crianças completaram um ano, passaram por exames que apontaram que não eram compatíveis.
"Quando soube disso, parece que um buraco se abriu sobre mim. Foi horrível saber que eu não conseguiria ajudar a minha filha", conta a mãe.
Em abril de 2007, quando encerrou os meses de quimioterapia, Aguiar optou por não fazer o novo tratamento proposto pelo médico que a acompanhava e procurou outro especialista no Hospital do Câncer de Goiás (HCG).
No HCG, ela conheceu o hematologista César Bariani. "Ele me fez ter esperanças de que poderia me curar. Isso foi muito importante naquele momento", diz a hoje médica. O especialista deu início a um tratamento definido como uma intensa quimioterapia de manutenção na paciente. O tratamento era mais fraco que o primeiro, e Aguiar não precisou ficar internada. Dessa vez, ela não perdeu todo o cabelo e nem teve fraqueza extrema.
"Muitos pacientes não aguentam chegar a essa segunda fase, quando não conseguem a cura no primeiro tratamento. Acredito que eu tenha conseguido porque era muito jovem", afirma. Ela deveria fazer o procedimento somente enquanto aguardava um doador de medula. Uma das expectativas, no início da quimioterapia de manutenção, era aguardar os exames de compatibilidade nos irmãos gêmeos dela.
No novo tratamento, ela conseguiu participar presencialmente das aulas do curso de odontologia. No tratamento anterior, teve de entrar com recurso na Justiça para conseguir autorização para cursar as disciplinas a distância.
Aguiar conta que a preocupação com os estudos esteve presente desde o primeiro dia em que foi internada para tratar a leucemia. "Não queria perder nenhum semestre", diz.
Na época em que estudou a distância, colegas de classe a visitavam no hospital para ajudar a jovem com os conteúdos. "Mesmo internada e fazendo um tratamento muito agressivo, nunca reprovei", diz. Apesar de fragilizada, ela reservava horários para estudar. Os professore iam até o hospital para aplicar as provas.
Ela concluiu os primeiros semestres de Odontologia sem reprovar em nenhuma disciplina.
Enquanto fazia a quimioterapia de manutenção, Aguiar decidiu que se tornaria médica. "Nos meses em que fiquei internada, me encantei pela medicina. Mas decidi, de fato, que seguiria por essa área nesse começo da quimioterapia de manutenção."
"Quando o doutor César Bariani me deu esperanças, enquanto o médico anterior tinha me dito que não havia mais alternativas, decidi que queria fazer medicina para que também pudesse dar esperanças para outros pacientes", diz ela.
Em dezembro de 2007, a jovem prestou vestibular para medicina em uma universidade particular de Goiânia. Foi aprovada. Os parentes se assustaram com a decisão. "Eles tinham medo de que eu não tivesse preparo emocional para lidar com pacientes com leucemia. Achavam que eu poderia não conseguir."
No início de 2008, ela trancou o curso de odontologia e ingressou na faculdade de medicina. Por causa da quimioterapia de manutenção, ela combinou com os diretores da nova universidade que faltaria alguns dias da semana para fazer o tratamento.
O curso particular foi pago pelo pai da jovem. "Mesmo com algumas dificuldades, porque o curso de medicina custa caro, ele me apoiou", relata.
Marina se dividia entre as aulas de medicina e o tratamento contra a leucemia. No início de 2009, quase dois anos após começar a quimioterapia de manutenção, a jovem estava sem esperanças. Depois que ela descobriu que os irmãos – Pedro Augusto e Davi Augusto Aguiar, hoje com 11 anos – não eram compatíveis, ela não tinha nenhum outro possível doador de medula. O médico disse que ela teria que parar com o tratamento, pois seu organismo não suportaria.
Quando ela suspendeu o tratamento, fez novos exames, que apontaram que não havia mais células cancerosas em sua medula óssea. Porém, por ser um tratamento de manutenção e mais fraco que o primeiro, as chances de a leucemia voltar eram consideradas altas.
"Depois que terminei a manutenção, passei a realizar exames semanais, para que qualquer retorno da doença fosse descoberto logo no início. Com o tempo, esses exames se tornaram quinzenais, depois mensais, trimestrais e assim foi indo. Os anos foram passando e a doença nunca retornou", diz a médica.
Hoje, ela é considerada curada. "É preciso esperar 10 anos, depois do fim do tratamento, para atestar a cura".
Ela classifica a sua cura como um milagre. Evangélica, Aguiar faz uma cerimônia religiosa todos os anos, desde o fim do tratamento, para comemorar. "Tenho certeza de que a atenção dos médicos que acreditaram na minha cura e a minha fé foram fundamentais", diz.
Em dezembro de 2013, ela se formou em medicina. "Foi uma emoção muito grande". Ao concluir o curso, ela fez dois anos de residência em clínica médica, na qual há estudos sobre diferentes áreas da profissão, e mais dois anos de residência em hematologia, para cuidar, principalmente, de pacientes que também lidam com a leucemia.
A especialização em hematologia foi feita no HCG, onde ela tinha feito o tratamento contra a leucemia por dois anos. "Fui a primeira residente em hematologia no hospital. Foi muito importante para mim trabalhar ali. No começo, os médicos tinham receio e pensavam que poderia me prejudicar emocionalmente, por eu ter me tratado ali. Mas eu sempre disse que tinha certeza de que queria ficar ali", diz.
"Trabalhei no HCG por dois anos, durante a minha residência. Deu tudo certo. Muitos funcionários, que me acompanharam como paciente, ficaram felizes em me ver como médica", relata.
No início deste ano, ela concluiu a especialização em transplante. Aguiar planeja, até o começo de 2020, fazer o seu primeiro transplante de medula óssea, em um paciente que ela acompanha no hospital particular em que trabalha desde abril, em Brasília.
A intenção de auxiliar os pacientes até onde puder, que ela tem desde que decidiu cursar medicina, é algo que a médica carrega consigo. "Sempre quero dar o meu máximo para poder ajudar. Sei que nem todas as vezes vai ser possível, mas sempre quero ter a certeza de que fiz tudo o que pude", afirma.