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14/05/2021 - Tertúlia Acadêmica debate aprendizados com as pandemias com Margareth Dalcolmo
No dia 12 de maio, a Academia de Medicina de São Paulo (AMSP) e a Associação Paulista de Medicina (APM) realizaram a tertúlia acadêmica de maio abordando o tema “O que aprendemos com as pandemias: passado e presente”.
Antes do início da apresentação, José Luiz Gomes do Amaral, Presidente da APM e da AMSP, apresentou a palestrante convidada Margareth Dalcolmo, que é formada pela Santa Casa de Misericórdia de Vitória, com residência em pneumologia pela Fiocruz e Doutorado pela Faculdade Paulista de Medicina, além de ser membro do grupo assessor do Ministério da Saúde durante a pandemia de covid-19 na gestão do Ministro Luiz Henrique Mandetta.
“Começo minha locução dizendo, de pestes e de epidemias os últimos milênios entendem bem, as epidemias marcam a história do homem. Nunca se reviu tanto o que é permitido pelas novas tecnologias de informação sobre esses fenômenos biológicos e sociais, que acompanham necessariamente a humanidade desde sempre”, introduz a palestrante.
Epidemias em grades impérios
Um dos maiores legados da peste negra foi a destruição daquele frágil sistema médico que vigorava na época, centrado em conceitos hipocráticos, de Galeno e Avicena, porém muito rígido, na prática. Os médicos eram todos homens e muito ligados ao clero, naquele momento a resposta exigida das novas gerações resultou em muitas mudanças e uma evolução marcada, que levaram a medicina clínica do século XVII em diante.
“Um divisor de águas histórico levou sobretudo ao renascimento, isso é o que nos dá esperança agora, que essa tragédia que vivemos possa nos levar também a um novo renascimento. O grande Petrarca, ao descrever a primeira peste, disse: feliz a posteridade que não experimentou este abismo e que olhará nosso testemunho como se fosse uma fábula”, contou a especialista.
“Com a erradicação da varíola, a quase total da poliomielite, tratamento antiviral para Aids e vacinas para as gripes, um reviver de técnicas simples hoje chamadas de técnicas não farmacológicas pareceriam pueris, como distanciamento físico, medidas de higiene, como bem demonstrada na gripe espanhola de mais de 100 anos, nos vemos mais uma vez correndo em busca de solução, diante de um vírus animal, que atravessou a barreira humana e pode se transmitir exponencialmente de uma pessoa a várias outras”, completou.
A pandemia causada pelo vírus Sars-CoV-2, causando a síndrome chamada covid-19 que atingiu até o momento mais de 15 milhões e 2 milhões de mortes. Desde seu aparecimento em dezembro de 2019, essa é a primeira epidemia da era digital plena, desnudando o total despreparo do mundo em diversos graus, para responder este desafio inaudito. Já assistimos guerras on-line, porém nunca a desigualdade, exclusão, falta de acesso aos cuidados de saúde se mostraram tão presentes em nossas vidas compulsoriamente trazidas pelos meios de comunicação e redes sociais.
Desde a peste antonina ou praga de Galeno, no século II, que matou quase 2 mil pessoas todos os dias em Roma, considera-se que o vírus surgiu pela varíola ou sarampo, mas jamais foi esclarecida a verdadeira causa da peste.
“O grande Galeno de Pérgamo, pai da medicina, que vivia em Roma e tornara-se médico de Marco Aurélio, imperador e filósofo que também pereceu vitimado pela peste, com sabedoria e estratégia de líder, disse: “não o faça se não é conveniente e não o diga se não é verdade e que afirmara com convicção que a destruição da inteligência é um mal maior do que qualquer epidemia”. É um exemplo paradigmático aos atuais líderes, seus equívocos e contradições”, destacou a palestrante.
A primeira peste bubônica que eclodiu em 1329 no gueto de Avinhão foi marcada pelo preconceito ligado à ignorância atribuída aos judeus, sobreo papado de Clemente VI, quarto papa de Avinhão, que perdoou de pecados todos os mortos pela epidemia. Apenas em 1894 Alexandre Yersin descreve o bacilo causador da peste, após as seguidas epidemias pelo mesmo agente ao longo dos séculos que se seguiam.
“Entre 1347 e 1349 ocorreu efetivamente o maior desastre biomédico da Europa e possivelmente da história, matando 20 milhões de pessoas, os florentinos da ocasião consideraram a exterminação da humanidade”, disse a especialista.
“A experimentação e demonstração da validade na ciência, embora hoje mais exigida do que nunca, nos remete permanentemente à história do homem, à curiosidade intelectual pela descoberta e ao prazer propiciado pela demonstração”, completou.
O grande historiador o humanista do mundo magrebino Ibn Khaldun, do século XIV nos ensina que mesmo um conhecimento extremo não nos isenta de nenhuma de ser postos à prova ou a crítica. Ele percebeu o tamanho do flagelo e descreveu: ambas as civilizações, ocidental e oriental, foram visitadas por uma praga muito destrutiva chamada Pestilência, levando ao desaparecimento de populações e destruindo muito das boas coisas e da criação do mundo inteiro.
“A segunda peste, ocorrida em 1478, mostrou a estratégia do isolamento social exemplar a partir de Milão, revelando como líderes inteligentes fazem a diferença. De fato, foi a cidade que menos sofreu, em razão da perfeita organização do controle sanitário. Ouvindo falar da aproximação da epidemia, autoridades criaram um cinturão literal na cidade, composto pelos apotecários, nobres, médicos e outros profissionais, impedindo a entrada de suspeitos da doença. Uma estratégia espetacular”, ressaltou.
Outra representação paradigmática desta pandemia, os EPIS usados pelos médicos que cuidavam dos pacientes atingidos pela doença, apesar da aparência inusitada, eram o modelo de equipamento de proteção individual dos profissionais da saúde.
A peste-negra ceifou em suas duas ondas, de 30 a 40% da população europeia. Naquele momento, as respostas exigidas pelas novas gerações resultaram em mudanças e evoluções que levaram ao avanço da medicina clínica do século XVII.
As moléstias infecciosas foram, sem dúvida, cataclísmicas em muitos momentos na história ocidental e das Américas, registrando o desaparecimento do império asteca na metade do século XVI por um surto de varíola. Durante os séculos XVIII e XIX, o ocidente ainda viveu em 1720 a grande praga de moléstia também transmitida pela pulga-do-rato, deixando 250 mil mortos na França, e a peste persa no atual Irã, em 1772, ceifando 2 milhões de vidas.
As epidemias de febre amarela foram recorrentes nos Estados Unidos; e a primeira epidemia de cólera surgida em 1817 no continente asiático se alastrando pela Europa e Américas, marcaram assim, o nascimento da Revolução Industrial.
Século XX
A denominada gripe espanhola, com sua primeira onda ocorrida no século XVIII, de origem provável na China, exterminou cerca de 50 milhões de pessoas no mundo. Permanece a controvérsia sobre sua origem, visto que a mortalidade observada nos trabalhadores chineses nas linhas de frente da 1.ª Guerra Mundial foi muito baixa. A segunda onda da pandemia ocorreu meses depois, sendo devastadora nos Estados Unidos, com 8% de letalidade, matando mais do que a Aids em seus 30 anos de ocorrência.
No século XIX, a também chamada de tísica pulmonar, 'peste branca' ou 'doença do peito', a tuberculose, é uma doença infecciosa documentada desde longa data. Evidências de decomposição tubercular encontradas em múmias do Egito indicam que a tuberculose tenha acometido a humanidade há pelo menos 4 mil anos.
“A angústia e o medo diante da pandemia começam no distanciamento físico tão estranho à maioria de nós e se segue na nova organização dos lares, passando pelo compulsório convívio cotidiano e chegando nos pacientes graves, aos olhares que não se sabe se de despedida definitiva na entrada fechada de hospitais, como um mergulho no despenhadeiro do oblívio ou do não retorno”, destacou.
“Se olharmos o espelho da história, qual a diferença desta metáfora com as cruzes pintadas nas portas das casas pelas pestes medievais de ontem não se saia nunca mais. O homem precisou chegar à tecnologia para entender a um custo humanitário inadmissível o que é vulnerabilidade generalizada diante do inimigo invisível, destruída pelo planeta através de transporte aéreo, diferente da última pandemia da gripe espanhola, que chegou por navio às Américas”, completou.
Os cenários prospectivos de medicina permitem que tenhamos refeito o juramento de Hipócrates com a divisa do grande Paracelso, médico suíço do século XVI: a medicina é todo amor, a honra da medicina em sua complexidade repousa, assim, sobre uma aliança do dever da ciência e de humanidade ou do que seja tratar o empirismo com olhar inarredável.
“Aprendemos em nossas vidas que o destino da raça humana não é uma inquietude permanente em nosso imaginário, quando a vida se tonar satisfatória para muitos, ainda que, ao contrário para tantos outros, designos parecem aflorar. Nem grandes impérios, sociedades isoladas, ilhas longínquas, nenhum lugar foi poupado diante da magnitude biopsicossocial que vivemos presentemente”, finalizou.
Ao final da tertúlia, confrades e confreiras fizeram perguntas à palestrante e debateram suas reflexões e diferenças entre as epidemias vividas em impérios, séculos passados e presentemente.
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