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28/05/2021 - Vacina priorizou mais ricos e locais com menos mortes, diz estudo da USP

Estudo da USP (Universidade de São Paulo) aponta que a periferia da cidade de São Paulo concentrou, de março de 2020 a abril de 2021, a maior parte das internações e mortes por Covid-19 do município. Mas essa região foi a que registrou as menores taxas de vacinação contra a doença.

Segundo os dados, enquanto distritos como Jaraguá (zona oeste), Grajaú (zona sul) e Cidade Tiradentes (zona leste), registraram 60 ou mais mortes por Covid-19 em grupos de 10 mil habitantes, em Itaim Bibi (zona sul), Pinheiros (zona oeste) e Moema (zona sul), as mortes variaram de 10 a 20 por grupos de 10 mil habitantes, um terço a menos do que os bairros mais pobres da periferia. Por outro lado, essas áreas mais ricas tiveram índices de imunização igual ou superior a 12,5% dos habitantes, bem acima dos 5% a 7,5% dos vacinados nos locais mais distantes. Essa diferença aumenta quando analisado só o critério etário, pois em regiões como Moema esse índice supera os 20%, enquanto na cidade Tiradentes é inferior a 4%.

Essas são algumas conclusões do estudo “Prioridade na vacinação negligencia a geografia da Covid-19 em São Paulo”, produzido por pesquisadores do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade), da FAUUSP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP.

Para tabular os dados, eles tiveram de recorrer à Lei de Acesso à Informação para que a Prefeitura de São Paulo desse informações detalhadas sobre internações e mortes. Os dados de vacinação foram extraídos da base pública do Ministério da Saúde.

De acordo com os autores, essas desigualdades expõem a decisão da administração municipal –comandada hoje por Ricardo Nunes (MDB), após a morte do prefeito eleito, Bruno Covas (PSDB)– por seguir as regras federal e estadual de priorização na fila de vacinação, que colocou e ainda coloca as pessoas de mais idade à frente dos demais grupos.“É um problema bem mais profundo. Na verdade, tecnicamente é justificável priorizar os grupos etários de faixas de mortalidade maiores. O problema é

Fila em posto drive-thru da vacina no Pacaembu, região rica de SP que, quando se aplica isso no mapa, você tem uma reprodução de desigualdades, que eram justamente o que os governos reconheceram no começo da pandemia”, disse Pedro Rezende, um dos autores.

Além de Rezende, o estudo contou com a participação de outros dois pesquisadores do LabCidade: Aluízio Marino e Gisele Brito, além de Raquel Rolnik, docente da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.

Os autores sustentam que mesmo sabendo da situação do contágio nas regiões mais afetadas, não foi adotada nenhuma política de prevenção por território. Isso fez com que várias regiões apresentassem focos ininterruptos de casos por meses. Essa tendência já havia sido detectada em estudo de setembro passado e foi confirmada agora.

Entre as regiões que persistem como foco de internações e mortes estão Santa Cecília e República, no centro. Segundo Rezende, como o motivo disso acontecer não é conhecido, pesquisadores vão a campo para tentar entender o motivo pelo qual o contágio nessas regiões permaneceu alto durante toda a pandemia.

Os autores também concluíram que o deslocamento para o trabalho impacta a concentração da doença.

Apesar de algumas categorias profissionais já terem sido incluídas no cronograma de vacinação, –como os da área de segurança e salvamento, motoristas, metroviários e cobradores,– a maior parte das categorias que atuam em serviços essenciais que voltaram a funcionar com a flexibilização ainda não estão previstas no cronograma de vacinação.

A lista inclui comerciários, entregadores, porteiros, frentistas e outras atividades onde não é viável trabalho remoto.

“A estratégia que apontamos é que, ao selecionar a categoria de trabalhadores , você atinja os territórios com maior incidência da doença. E vacinar quem não puder ficar em casa”, afirma Rezende.

O estudo também critica o fato de que muitos profissionais da área de saúde continuam sendo imunizados, embora muitos trabalhem em home office, o que leva novamente a maior concentração de imunização em profissionais que vivem em regiões mais ricas.

A análise dos pesquisadores é que os territórios com maior incidência de Covid-19 são regiões que reúnem a maior parte da população negra da cidade. Já os territórios onde mais se vacinou concentram a maior parte da população de brancos e de renda mais alta.

“Os critérios da campanha de vacinação adotados são mais um exemplo de como opera o racismo estrutural em nossas cidades”, dizem os autores.

Eles concluem que, às vésperas de uma terceira onda, é fundamental criar critérios de vacinação eficazes e justos.

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que não comentaria o assunto, pois desconhece a me todologia empregada.

“O Programa Municipal de Imunização (PMI) segue as orientações do Programa Nacional de Imunizações e do Programa Estadual de Imunizações. Pela Lei 6259/75, Título II, Artigo 3º, cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório”, informa.

Ainda segundo a nota, o objetivo principal da vacinação, neste momento, é a redução de morbidade e mortalidade pela Covid-19, portanto, os grupos de maior risco para agravamento e óbito devem ser priorizados.

Fonte: Folha de S.Paulo