DEU NA MÍDIA

12/06/2017 - 'Voltei a me sentir viva e a ter libido': as mulheres que enfrentam a menopausa com testosterona

"Minha vida sexual era ótima, algo que para mim tinha muita importância. [Fazia sexo] duas vezes por semana e com qualidade." Aos 50 anos, a paulistana Márcia (nome fictício), que trabalha na área da saúde, estava satisfeita com sua vida sexual, até que um cisto no ovário fez com que, em apenas uma semana, ela entrasse na menopausa --com efeitos negativos em toda a sua rotina.

"Tive de fazer uma histerectomia [remoção de parte ou da totalidade do útero]. Depois de uma semana, comecei a sentir algumas mudanças. Calor, irritação, insônia. Mas o pior foi 15 dias após a cirurgia. Dormia uma hora e meia por dia, só chorava, tinha uma irritação absurda, muita transpiração e mal-estar em geral", diz Márcia à BBC Brasil. A mudança hormonal afetou profundamente sua vida.

"Eu brigava no trânsito, discutia com pessoas na rua. Em casa, não tinha paciência com meus filhos e com meu marido. [A menopausa] também afetou totalmente minha vida sexual. Passado o período recuperatório, minha libido desapareceu totalmente, me sentia um ser assexuado", acrescenta.

Marcia acabou decidindo recorrer a um tratamento que muitos médicos consideram arriscado, mas que é cada vez mais comum: a terapia com testosterona. Antes disso, porém, ela ainda tentou tratamentos mais tradicionais com seu ginecologista. "[O médico] dizia para eu ter paciência, que era só uma fase.

Ele entrou com um hormônio levinho [estrogênio] e eu sentia quase nada de melhora. Como viu meu desespero, entrou com uma medicação um pouco mais forte. Um hormônio sintético, Tibolona. Fiquei um pouco mais equilibrada e com zero libido. Continuava sem ânimo para nada, como se eu tivesse perdido a vontade de viver", lembra.

Foi aí que Marcia decidiu buscar uma segunda opinião, apesar da relação de extrema confiança que tinha com seu ginecologista. Ele havia feito os partos de seus dois filhos. "Foi doído, mas eu não tinha mais condição de viver daquele jeito." A pedido da nova médica, Márcia se submeteu a vários exames, para identificar a presença de tumores. "Os resultados estavam todos normais e como não tenho nenhum antecedente familiar de câncer, ela me receitou a testosterona e o estradiol", explica.

E assim começou o tratamento de Marcia com testosterona, hormônio que é produzido pelo homem em grandes quantidades e em pequenas doses pela mulher.

Efeito na libido

Terapias à base de testosterona vêm ganhando adeptos internacionalmente, ainda que não haja estudos que comprovem a segurança desses tratamentos.

Na mulher, seu efeito mais conhecido é na sexualidade: age na fantasia sexual, no erotismo. E também na manutenção da massa muscular e no vigor físico. Não há consenso científico sobre o tema, mas médicos ouvidos pela BBC Brasil associaram o uso de testosterona a um aumento nos índices de colesterol e nos riscos de arteriosclerose e do câncer.

Márcia diz ter sido informada sobre os riscos. "Apesar de ser uma pessoa supernatureba para certas coisas, essa foi a forma que encontrei de continuar vivendo com qualidade", diz. "A vida estava sofrida, desequilibrada e com tendência à depressão. A decisão de tomar um hormônio mais forte foi a esperança de voltar a ser quem eu era", completa.

'Primeira injeção'

Márcia tomou sua primeira injeção de testosterona em 2015.  As doses são anuais e, como as drogas podem aumentar o risco de enfartes, é preciso fazer uma avaliação cardiológica prévia além de exames periódicos para reavaliar os efeitos da medicação. "A primeira coisa que percebi foi o retorno do sono. Voltei a dormir normalmente, por volta de seis horas por noite. A disposição melhorou. Parei de chorar - porque eu chorava muito. E a libido voltou. Voltei a viver", lembra.

"Meu marido amou. Ele estava achando que eu não tinha mais nenhum interesse nele e não era por aí. É que simplesmente você não consegue pensar em sexo. Algumas mulheres chegam à menopausa e a vida segue normalmente. No meu caso, tinha morrido para a vida. [Mas] não é todo mundo que pode tomar hormônio, então, a pessoa deve procurar um profissional competente para saber se tem condições ou não de utilizar a medicação", ressalva.

Terapia polêmica

Dúvidas quanto à segurança da terapia de reposição hormonal clássica, baseada principalmente no uso dos hormônios femininos, persistem na medicina há décadas e não há consenso sobre o assunto. No caso da terapia à base de testosterona, de uso mais recente, a incerteza é ainda maior. Há menos estudos e os que existem tiveram curta duração.

Em 2014, as médicas Sandra Léa Bonfim Reis e Carmita Abdo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), fizeram uma análise de estudos publicados entre 1998 e 2012 sobre benefícios e riscos de terapias à base de testosterona para tratar a perda de libido.

O relatório das pesquisadoras, publicado na revista científica Clinics, do Hospital das Clínicas da FMUSP, concluiu que embora não haja dúvidas sobre os efeitos positivos da testosterona na resposta sexual feminina, todos os estudos publicados no período avaliado foram de curta duração (no máximo, 24 semanas).

"Portanto, é impossível tirar conclusões definitivas a respeito dos efeitos colaterais do uso da testosterona a longo prazo", diz o estudo. Médicos ouvidos pela BBC Brasil têm opiniões divergentes sobre o assunto. O ginecologista Manoel Girão, chefe do Departamento de Ginecologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz estar preocupado com o que considera uma nova tendência em tratamentos no Brasil.

"Essa tendência é bem perceptível, intensa e colocada muitas vezes como isenta de riscos. No entanto, há riscos. E ela (a testosterona) está sendo usada de forma excessiva", alerta.

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Por BBC Brasil